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Arquipelago de Origem:
Mascate
Data da Peça:
1610-00-00
Data de Publicação:
07/11/2023
Autor:
Manuel Godinho de Erédia (atr.)
Chegada ao Arquipélago:
2023-11-07
Proprietário da Peça:
Biblioteca de São Julião da Barra
Proprietário da Imagem:
Universidade de Coimbra
Autor da Imagem:
Universidade de Coimbra
Planta da fortaleza de Mascate, Manuel Godinho de Erédia (atr.), Goa (?), c. 1610-1630, Sultanato de Oman.

Categorias
    Descrição
    Planta da fortaleza de Mascate
    Sultanato de Oman.
    Pormenor de nanquim e aguarela sobre papel, 58 x 42 cm.
    Manuel Godinho de Erédia (atr.), Goa (?), c. 1610-1630
    Lyvro de plantaformas das fortalezas da Índia
    Biblioteca da Fortaleza de São Julião da Barra, Oeiras, Portugal
    Pub. in Os Portugueses no Golfo, 1507–1650, uma história interligada, The Portuguese in the Gulf, 1507–1650, an interlinked history, catálogo de exposição na Feira do Livro do Emirado de Sharjah, Emirados Árabes Unidos, 1–12 novembro 2023, com coordenação científica de José Pedro Paiva e Roger Lee de Jesus, apresentação/introdução de Ahmed Bin Rakkad Al Ameri, presidente da Sharjah Book Authority, Centro de História de Sociedade e Cultura da Universidade de Coimbra, Imprensa da Universidade, março de 2023, nº 27-2, p. 91.

    A década de 1580 trouxe enormes mudanças ao Estado Português da Índia. Após o desaparecimento do rei D. Sebastião em Marrocos, em 1578, a coroa portuguesa foi reclamada e assumida dois anos depois pelo rei de Espanha, então Felipe II (e I de Portugal). A união das coroas ibéricas, que se iria manter até 1640, imediatamente trouxe inúmeras mudanças para Portugal. Uma dessas mudanças foi a maior organização e eficiência na administração do império ultramarino. O monarca espanhol e os seus conselheiros queriam saber com exatidão a verdadeira dimensão dos domínios portugueses no Oriente e a situação dos seus recursos humanos e materiais. A gestão de domínios imperiais tão vastos tinha de basear-se em informações precisas e atualizadas. A partir de Goa, foram enviados para Madrid numerosos relatórios detalhados, entre os quais se contavam diversos livros de fortalezas, isto é, extensos relatórios manuscritos contendo desenhos das principais fortalezas portuguesas no Oriente, complementados por detalhadas descrições desses redutos militares e das regiões onde se situavam.
    Manuel Godinho de Erédia, um geógrafo e cartógrafo luso-malaio, nascido em Malaca, em 1563, e que em inícios do século XVII vivia em Goa, foi o autor das mais antigas coleções de planos de praças fortificadas portuguesas no Oriente que se conhecem. Em 1610, compilou um Atlas manuscrito, que hoje se conserva numa biblioteca do Rio de Janeiro e que é constituído por vinte fólios, com desenhos a aguarela de cidades costeiras indianas e também de sítios localizados em outras regiões asiáticas, e nomeadamente no Golfo, com levantamentos de Mascate e Ormuz. Na década seguinte, Erédia preparou um Atlas Miscelânea, de que hoje se desconhece o paradeiro, o qual incluía dezenas de mapas, quadros, planos e desenhos, e respetivos textos, abarcando todas as regiões que pudessem interessar à Coroa Ibérica, incluindo detalhadas informações sobre o Golfo.
    As solicitações da Coroa Ibérica continuaram a chegar a Goa durante o governo do vice-rei D. Miguel de Noronha, que se estendeu de 1629 a 1635, pedindo descrições detalhadas de todas as costas, portos e cidades do Estado da Índia. A tarefa foi confiada a António Bocarro, que nascera em Portugal, em 1594, e estava na Índia desde 1615, onde desempenhava funções de cronista oficial e guardião do arquivo de Goa. Em resposta ao pedido do vice-rei, Bocarro preparou um longo Livro das Plantas de todas as Fortalezas, Cidades e Povoações do Estado da Índia Oriental. O trabalho era extremamente exaustivo, incluindo todo o género de informações interessantes e importantes sobre os estabelecimentos portugueses no Oriente, desde a África Oriental até à China.
    Os assuntos relativos ao Golfo eram devidamente contemplados, pois o Livro das Plantas incluía capítulos não só sobre a grande fortaleza de Mascate, que se tornara o centro das atividades dos portugueses depois de terem perdido a fortaleza de Ormuz em 1622, mas igualmente sobre as inúmeras fortificações de menores dimensões que se estendiam ao longo da costa sudeste da Península Arábica e que haviam sido recentemente construídas ou reforçadas. O relato do cronista português baseava-se em fontes locais, visto que fornecia detalhes minuciosos sobre todos os assuntos tratados, desde a condição das fortalezas e os recursos disponíveis em homens, artilharia e armamento, até aos rendimentos das alfândegas, passando pelas instituições mais importantes e por toda a orgânica das rotas marítimas mais concorridas. Bocarro fornecia também informações sobre os contextos políticos locais, e nomeadamente sobre a região do Omã, onde um poderoso imã conseguira a unificação de uma vasta confederação de tribos.
    António Bocarro foi tão exaustivo que incluiu no seu Livro das Plantas várias dezenas de desenhos a aguarela das fortalezas que descrevia, bem como os retratos coloridos de 44 governadores e vice-reis do Estado da Índia. Não quis revelar o nome do seu valioso colaborador, mas fontes contemporâneas identificam-no como sendo Pedro Barreto de Resende, secretário de D. Miguel de Noronha. Não existem muitas informações biográficas sobre Barreto de Resende, exceto ter servido em Tânger durante alguns anos, antes de ter viajado para Goa e de ter regressado a Portugal em 1636. Durante a sua residência indiana, por simples curiosidade, colecionou documentos acerca do Estado da Índia, que ilustrou com desenhos a aguarela, representando não apenas fortalezas portuguesas na Ásia, mas também armadas da carreira da Índia e retratos dos governadores e vice-reis portugueses. Em 1635 concordou em emprestar os seus desenhos a António Bocarro, em troca da informação textual do cronista, e o nesse ano o Livro das Plantas completo foi enviado para Lisboa e Madrid, para os olhos do rei Filipe IV de Espanha (e III de Portugal).
    Nele estavam representadas várias fortalezas portuguesas da região do Golfo, e nomeadamente as de Mascate, Quelba e Corfacão. O porto de Mascate tinha sido frequentado pelos portugueses desde as primeiras décadas do século XVI, mas apenas na década de 1580 ali tinham sido implantadas importantes fortificações, que complementavam estruturas defensivas previamente existentes. As fortalezas de Corfacão e de Quelba eram mais recentes, pois haviam sido edificadas ou consolidadas na década de 1620, depois da perda de Ormuz, quando os portugueses centraram as suas atividades em Mascate. Todos os desenhos de Barreto de Resende são em perspetiva cavaleira, elaborados com base em esboços realizados localmente e em informações recolhidas em Goa. Embora, por vezes, bastante incorretos relativamente aos modelos reais, os desenhos de Barreto de Resende decerto transmitiriam à Coroa Ibérica a informação necessária acerca da localização e características das fortificações portuguesas no sudeste da Península Arábica, assim como a escala das fortalezas em relação ao ambiente urbano circundante.
    O álbum de texto e desenhos produzido em conjunto por António Bocarro e Pedro Barreto de Resende teve uma ampla circulação, foi muito usado e reproduzido, e muitas cópias de parte ou todo o seu conteúdo existem ainda em diversos arquivos europeus. O próprio Pedro Barreto produziu duas versões do Livro do Estado da Índia, em 1636-1638 depois de regressar a Portugal, supostamente para corrigir algumas das lacunas da versão de Bocarro. Por volta de 1640 compilou O Lyvro das Plantaformas das Fortalezas da Índia, cujo manuscrito hoje se conserva no Forte de São Julião da Barra, em Lisboa, no qual incluía, juntamente com os seus desenhos, textos preparados por Manuel Godinho de Erédia. Anos mais tarde, em 1646, Pedro Barreto de Resende prepararia uma outra versão, a que chamou Livro do Estado da Índia Oriental. Embora os textos sejam bastante diferentes, a iconografia parece basear-se nos mesmos modelos em perspetiva cavaleira, copiados vezes sem conta, com pequenas variações Uma edição crítica da cópia conservada na Biblioteca Pública de Évora da obra de António Bocarro e Pedro Barreto de Resende, preparada por Isabel Cid, foi publicada em Lisboa em 1992 (O Livro das Plantas de Todas as Fortalezas, Cidades e Povoações do Estado da Índia Oriental de António Bocarro: Estudo Histórico, Codicológico e Paleográfico), enquanto uma edição fac-similada da obra compósita de Manuel Godinho de Erédia e Pedro Barreto de Resende foi publicada em Lisboa em 1999, com um estudo introdutório de Rui Carita (O Lyvro da Plantaforma das Fortalezas da Índia da Fortaleza de São Julião da Barra). [Rui Manuel Loureiro]