Peter Cossart (1831-1870), desenho, 1860 (c.), Inglaterra
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Descrição
Peter Cossart (1831-1870)
Desenho a lápis assinado W. M. W.
1860 (c.)
Colecção família Cossart, Bungay, Suffolk, Inglaterra.
Pub. in Noël Cossart (1907-1987), Madeira, the island vineyard, ed. por Penelope Mansell-Jones MW para Christie.s Wine Publications, Londres, 1984, p. 39.
COSSART GORDON, EMPRESA
Desde a sua descoberta oficial, a ilha da Madeira tem atraído muitos estrangeiros. Diferentes estímulos imperaram, no entanto, o vinho Madeira revelou-se o elemento sedutor da vinda e permanência das famílias inglesas que lideraram o rumo de uma distinta casa comercial, a Cossart, Gordon & Co., última denominação da empresa na ilha da Madeira durante o séc. XX. A casa comercial apresenta um passado histórico rico, no qual desfilaram diferentes denominações e associados. As suas origens na ilha remontam a meados do séc. XVIII, com a chegada do escocês Francis Newton: “A 12 de Setembro de 1745, um jovem escocês embarcou em Gravesend com destino à Madeira. O seu nome era Francis Newton e seria ele o fundador da atual firma Cossart, Gordon & Co.” (COSSART, 1984, 30). Opinião diferente foi a apresentada por Rupert Croft-Cooke, quando referiu que Francis Newton aportara pela primeira vez à Madeira a 11 de outubro de 1748, identificando a génese da casa comercial três anos mais tarde (CROFT-COOKE, 1961, 45).
A denominação comercial da firma sofreu cinco alterações ao longo do séc. XVIII, sendo a maioria motivadas pela entrada ou saída de sócios. Segundo Noël Cossart, Francis Newton manteve-se na firma por 50 anos, presenciou o advento da centúria seguinte e findou a sua colaboração em 1805. Entre 1745 e 1748, a firma foi conhecida pelo nome do seu único proprietário, Francis Newton. De 1748 a 1758, foi conhecida por Newton & Spence (GL, Cossart & Gordon Archives, mç. 32992/11); posteriormente, entre 1758 e 1775, por Newton & Gordon (ARM, GC, ACF, Navios entrados e saídas, lv. 697, 4v-5), tendo, em 1775, passado a denominar-se Newton, Gordon & Johnston, até 1791, data em que ganhou a designação com que efetivou a passagem do século, Newton, Gordon & Murdoch (VIEIRA, 1993, 49). Ao longo dos sécs. XIX e XX, o nome da casa comercial sofreu cinco alterações: Newton, Gordon, Murdoch & Co. (1802-1905); Newton, Gordon, Murdoch & Scott (1805-1834); Newton, Gordon, Murdoch & Co. (1834-1839); Newton, Gordon, Cossart & Co. (1839-1867); e Cossart, Gordon & Co. (1867-1953). Em 1953, associou-se à então denominada Madeira Wine Association, tendo a casa comercial em Londres passado a designar-se Cossart, Gordon & Cia. Lda. Na primeira década do séc. XXI cessou definitivamente a sua atividade comercial, sendo a Cossart Gordon na atualidade apenas uma marca de vinho Madeira (RODRIGUES, 2004, 23-51).
Foi no séc. XVIII que a casa comercial existente na ilha da Madeira iniciou paralelamente o seu funcionamento em Londres, tendo Francis Newton, a partir de 1767, começado a residir nessa cidade para daí dirigir os negócios (GL, Cossart & Gordon Archives, mç. 32 992/11). O enorme volume de negócios criou a necessidade de fixação permanente de um sócio em Londres, facto que se repetiu ao longo de toda a história da firma. A casa comercial, evidenciou uma estrutura de carácter familiar desde os seus primórdios. Em 1758, Thomas Newton, o irmão mais novo de Francis Newton, associou-se à firma. Uma outra linha paralela, de carácter familiar, principiou igualmente, com a admissão de Thomas Gordon, em 1758. Os seus familiares sucederam-no na firma (CROFT-COOKE, 1961, 53), nomeadamente através do seu sobrinho William Gordon e do seu filho James David Webster Gordon, mantendo-se esta linha até meados do séc. XIX.
Em 1809, assistiu-se à incorporação do irlandês William Cossart, que marcou o início da terceira linha familiar na firma e a rutura dominante com as linhas escocesas. A colaboração de William Cossart com a casa comercial, em Londres e na Irlanda, era anterior a 1802, data em que embarcou para a ilha da Madeira. Tendo sido capturado pelos franceses, chegou apenas seis anos mais tarde, em 1808. A sua adesão à empresa, em 1809, traduziu-se na condição de procurador dos três sócios residentes em Londres: Thomas Murdoch, William Gordon e Robert Scott (AMWC, General Power of Attorney, 30th august 1809). Segundo Noël Cossart, Peter Cossart, sobrinho de William Cossart, iniciou a sua atividade na firma em 1831, embora tenhamos razões para crer que a sua chegada à Madeira e ligação à casa comercial remonte a um período anterior, no mínimo, a 27 de julho de 1827, de acordo com uma procuração emitida a seu favor por James David Webster Gordon, em nome da Newton, Gordon, Murdoch & Scott, na qual se pode ler o seguinte: “[C]onstitui seus procuradores gerais nesta dita Ilha e fora della onde preciso for a Thomas Harris e a Pedro Cossart, aos quais e a cada hú insolidum dá poderes gerais especiaes sem nenhua excepção, ainda mesmo nos casos em que por direito se requerem marcados, para administrarem, regerem e governarem a dita sua Caza de commercio, bens, propriedades e negócios della, na falta, ou auzencia do sobredito outorgante, ou dos sócios da mesma Caza, fazendo-a conduzir da melhor maneira e cuidar da economia della” (ARM, Notários, lv. 1298, 25-26). A data de chegada de Peter Cossart à ilha da Madeira continua envolta em mistério, dado que uma outra fonte, Charles John Cossart, seu filho, apontou 1825 como o ano de ingresso na casa comercial “na qual lhe foi concedido um lugar pelo nosso Tio-avô aquando da sua saída da Madeira” (COSSART, 1978, 50). O ano de 1825 foi igualmente apontado como o da chegada de Peter Cossart à Madeira, na revista de Ex-Libris Portuguezes (1917, 98).
Os artigos dos contratos da sociedade, durante o séc. XIX, possuíam cláusulas de grande rigor e especificidade. Uma delas estava relacionada com o procedimento no caso de morte de um sócio, em que a firma pagaria o capital à família, durante um período de seis anos, em idênticas frações anuais (AMWC, 1834 – 1839, Articles of Copartnership, article 13th). Este esquema de pagamento, que era análogo no caso de renúncia voluntária por parte de um sócio, denota uma forte visão empresarial, onde eram invalidadas as hipóteses de quebra drástica no capital da firma e de descontinuidade nos presentes e futuros negócios. Esta perspetiva empresarial de eliminação de riscos acrescidos, de salvaguarda comercial e de dedicação exclusiva à firma, era evidenciada noutra cláusula, a qual determinava a impossibilidade de qualquer sócio, quer residisse na ilha da Madeira ou noutro local, de pertencer a outro tipo de sociedade comercial ou negócio, dado que um ato desse tipo “poderia desviar-lhe a atenção dos negócios desta sociedade ou de alguma forma prejudicar a sua influência ou pôr em perigo o seu capital ou credito” (AMWC, 1834 – 1839, Articles of Copartnership, article 18th). Apesar da inflexibilidade e espírito económico contido nestes contratos, os fatores financeiros não obscureciam os fatores humanos: a preocupação pela família do sócio falecido, a necessidade de acautelar os herdeiros ou representantes contra as vicissitudes do comércio era determinada num dos artigos: “[A] propriedade do falecido – pertencente aos herdeiros – não deve ser exposta aos riscos e incertezas do comercio” (AMWC, 1834 – 1839, Articles of Copartnership, article 14th).
No séc. XIX, a déc. de 40 foi capital para a família Cossart: pela primeira vez, o apelido Cossart surgiu oficialmente na designação da firma. No final da primeira metade do séc. XIX e passados cerca de 20 anos desde a sua incorporação na casa comercial, Peter Cossart ocupava já uma das principais posições na firma, sendo o segundo sócio detentor de maior capital. A sucessão de James David Webster Gordon marcou o final deste período e pressagiou o desenvolvimento do seguinte, na consolidação do poder empresarial da família Cossart na Madeira. O dia 1 de julho de 1850 foi uma data histórica para os Cossart. Neste preciso dia foi assinado o acordo que vigorou até junho de 1853 e que divergia substancialmente dos anteriores pelo número de sócios e pelas proporções das parcelas subscritas por cada um. De cinco sócios passaram a seis, com a admissão do filho de James David Webster Gordon, a quem o pai cedeu quatro das sete parcelas que detinha na firma (AMWC, 1850 – 1853, Articles of Copartnership, article 3rd), permitindo que Peter Cossart, com as suas cinco parcelas, assumisse a posição de sócio maioritário da casa comercial. Esta posição foi legada aos seus familiares, que a mantiveram até os últimos dias da casa comercial na Madeira. Assim, numa análise à casa comercial sob uma perspetiva familiar emergem, em especial, duas famílias: a Gordon e a Cossart. Entre 1758 e 1856, num período de 98 anos, cinco elementos da família Gordon lutaram pelos negócios desta firma, associados por fortes laços de parentesco e contratos de exclusividade. A família que ostentou um número superior de sócios em toda a história da casa comercial foi a Cossart: desde os primórdios do séc. XIX até finais do séc. XX, 12 membros de uma mesma linhagem assumiram cargos de responsabilidade numa das casas comerciais que presenciou e superou as crises vinícolas do séc. XIX.
Através do estudo das importações da casa comercial apurámos que, na sua génese, para além dos produtos relacionados com a produção e comércio do vinho Madeira, a firma comercializou outros produtos, como peças de mobiliário, fazendas, algodão, sabão, géneros alimentícios (manteiga, açúcar, arroz, grão, farinha, carne, peixe, fruta) e outros (ANTT, Alfândega do Funchal, lvs. 57 e 58). Ainda no início do séc. XIX, a firma recorria a um comércio diversificado, situação que se alterou a partir de meados da centúria, sendo as importações dirigidas maioritariamente a um tipo de comércio específico: o vinho. Esta casa comercial desempenhou um papel preponderante na projeção do nome da ilha da Madeira a nível mundial, quer através da promoção do seu produto (RODRIGUES, 2004, 224-232), quer através das exportações do vinho Madeira. Durante o séc. XIX, os principais mercados da firma envolviam as Ilhas Britânicas, a Europa, a América (em particular Nova Iorque, Filadélfia, Baltimore, Charleston), as “West Indies” (em especial a Jamaica), assim como a Índia, por vezes referida como “East Indies” (GL, Cossart & Gordon Archives, mç. 32992). Num folheto publicitário da casa comercial, provavelmente impresso em 1905, lia-se o seguinte: “Os números acima mencionados confirmam que nos 25 anos anteriores a 1904, mais de um terço do genuíno Madeira consumido internacionalmente, foi fornecido por nós, estabelecidos em 1745, os mais antigos, e sem qualquer comparação, os maiores exportadores da Madeira” (AMWC, Folheto publicitário). Para os comerciantes de vinho, o séc. XIX foi uma época de prosperidade altamente conturbada, intercalada por períodos de crise que confluíram para a seleção e afirmação das melhores casas comerciais inglesas na ilha da Madeira. Nos finais do século e após as duas grandes crises vinícolas, a casa comercial Cossart, Gordon & Co. foi uma das figuras principais no processo das transformações socioeconómicas ocorridas na ilha da Madeira, estando na posse de uma única família, a Cossart. Para isso contribuíram as relações comerciais estabelecidas a ocidente e oriente do Atlântico e a estratégia económica desenvolvida. Neste domínio, o comércio do vinho Madeira, âmago da sua notoriedade, individualizou-a, sendo reconhecida como uma das mais poderosas casas comerciais estabelecidas na ilha (RODRIGUES, 2004, 107-140).
A nível do património empresarial e particular, os sócios desta casa comercial conquistaram um pequeno império. Em 1984, Noël Cossart reconhecia a “Rua dos Ferreiros, 154” (COSSART, 1984, 180), como a morada da firma (armazéns e residência) a partir de finais do séc. XVIII. Esta parece ter sido a sua localização principal, embora ao longo do séc. XIX se tenha verificado um esforço intensivo no alargamento da área ocupada pela empresa na centúria anterior, com especial preferência pelos espaços nas imediações. No início do séc. XX, os seus estabelecimentos subdividiam-se em seis conjuntos e estendiam-se ao longo da atual R. dos Ferreiros, à exceção da “estufa”, localizada na R. da Torrinha. Cada conjunto gozava de uma denominação própria: o Serrado, os Armazéns, o Pateo, a Estufa, a Aula, o Martins e o Thiago. A distância entre cada um reduzia-se a cerca de cinco minutos de percurso a pé (VIZETELLY, 1880, 181-187). Este tipo de estrutura construída de raiz apresentava algumas semelhanças com as utilizadas no Jerez, edificadas dentro do mesmo pressuposto: “a tipologia arquitetónica das adegas não é um produto do acaso, ela responde à conjugação de fatores climáticos, funcionais, e tradições autóctones e socioculturais que ocasionam diferentes alternativas no desenho” (SALDAÑA, 2005, 250). Uma outra particularidade desta firma em relação às empresas do Jerez era o tipo de estratégia comercial: o empresário participava em todas as fases do negócio. Na realidade, a Cossart Gordon, para além de exportadora, detinha todas as infraestruturas necessárias: armazéns (adegas), destilaria, tanoaria, estufas e terrenos para cultivo de vinhas, embora também comprasse mosto quando necessário a alguns produtores (RODRIGUES, 2004, 140-162). É de assinalar que os estabelecimentos da Cossart Gordon foram o espelho de uma arquitetura do vinho, “que deu resposta às diferentes actividades de produção, conservação, comercialização e consumo do vinho” (NOGUEIRA, 2001, 285), a qual, lamentavelmente, se perdeu na sombra do tempo.
Bibliog.: manuscrita: ANTT, Alfândega do Funchal, lvs. 57 e 58; ARM, GC, ACF, Navios entrados e saídas, jan. 1768 - dez. 1769, lv. 697, fls. 4v-5; id., Notários, lv. 1298, fls. 25-26; AMWC, Folheto publicitário, 1905; id., Articles of Copartnership, 1834-1839 e 1850 – 1853; id., General Power of Attorney, Messers Murdoch Gordon and Scott to Mr William Cossart, 30th august 1809; GL, Cossart & Gordon Archives, mç. 32992, doc. 11; impressa: CASTRO & SOLLA, Conde de (dir.), Revista de Ex-Libris Portuguezes, vol. 2, Porto, Typ. da Empresa Litteraria e Typographica, 1917; COSSART, Charles J., “Pedigree Cossart”, in COSSART, Manfred von, Die Familie Cossart in Frankreich und die Protestanten in Rouen, Köln, [Selbestverl.], 1978; COSSART, Noël, Madeira the Island Vineyard, London, Christie’s Wine Publications, 1984; CROFT-COOKE, Rupert, Madeira, London, Putnam & Company Limited, 1961; NOGUEIRA, Filipa, “Arquitectura do Vinho”, Actas do Congresso 1994 – O Vinho, a História e a Cultura Popular, Lisboa, Instituto Superior de Agronomia, 2001; RODRIGUES, Elisabete, Os Cossart, Uma Família Inglesa na Madeira Oitocentista, Dissertação de Mestrado em Cultura e Literatura Anglo-Americanas apresentada à UMa, Funchal, texto policopiado, 2004; SALDAÑA, César (dir.), El Gran Libro de los Vinos de Jerez, [Sevilha], Junta de Andalucía, 2005; SANTANA, Alberto Ramos e ROSSO, Javier Maldonado (eds.), El Jerez – Xérès – Sherry en los Tres Últimos Siglos, Cádiz, Ayuntamiento de El Puerto de Santa Maria, Unidad de Estudios del Vino de la Universidad de Cádiz, 1996; VIEIRA, Alberto, História do Vinho da Madeira. Documentos e textos, Funchal, CEHA, 1993; VIZETELLY, Henry, Facts about Port and Madeira with Notices of the Wines Vintaged around Lisbon, and the Wines of Tenerife, London, Ward, Lock, and Co., 1880; digital: RODRIGUES, Elisabete, “A Família Cossart e o seu Contributo na Divulgação Turística da Madeira Oitocentista”, Anuário 2012, n.º 4, CEHA, pp. 224-232https://app.box.com/s/vc9dhdwdnlha2ueh3w6g (acedido a 27 jan. 2015).
Elisabete Rodrigues DEM 3