Entrada da Rua Dr. Fernão de Ornelas, prédios do gabinete do engenheiro Fernando Ribeiro Pereira, 1942, Funchal, ilha da Madeira
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Descrição
Entrada da Rua Dr. Fernão de Ornelas.
Prédios da Pretinha do Café e da Calcedónia, engenheiro Fernando Ribeiro Pereira (1914-1983), 1942.
Fotografia de 20 de março de 2023.
Funchal, ilha da Madeira.
O projeto de loteamento da futura Rua Fernão Ornelas 1942-1947
A gestão da cidade do Funchal fora entregue a 12 jan. 1935 ao jovem Fernão de Ornelas Gonçalves (1908-1978), que imprimiu à cidade toda uma outra dinâmica, levando a efeito uma verdadeira revolução urbanística. Com a construção do Mercado dos Lavradores, projeto de 1939 do arquiteto Edmundo Tavares (1892-1983), inaugurado a 24 nov. 1940, tal como do Matadouro Municipal da Ribeira de João Gomes, dos arquitetos António Couto Martins (1887-1970) e Miguel Simões Jacobetty Rosa (1901-1970), inaugurado no mesmo dia, apontava-se a necessidade de rasgar uma artéria de acesso ao primeiro, como principal mercado distribuidor da cidade e, a partir de 1942, também ao novo Liceu Jaime Moniz. O projeto já se equacionara de certa forma nos finais do século anterior e fora riscado depois pelo arquiteto Ventura Terra (1866-1919), em 1915, então como saída da cidade para Este, mas num traçado que não tinha em atenção o principal tecido edificado da cidade, pelo que não teve sequência.
Acrescente-se, entretanto, que o lançamento desta via de acesso direta ao Mercado dos Lavradores também seguiu um pouco a mesma linha de orientação, tendo levantado inúmeras dificuldades face às expropriações necessárias. Não estavam em causa, no entanto, as principais edificações do centro da cidade, mas esta e outras obras da vereação de Fernão Ornelas acabaram por levar ao seu pedido de afastamento a 22 de outubro de 1946, pedido logo aceite. Na primeira reunião camarária realizada após a sua exoneração, a 7 de novembro seguinte, a vereação em exercício, considerando os relevantes serviços de Fernão de Ornelas à frente do Município, deliberou que à rua em construção que ligava a Ponte do Bettencourt à Rua do Hospital Velho/Mercado dos Lavradores fosse dado o nome de Fernão de Ornelas, ordenando à repartição de obras que colocasse as placas com o novo nome e ainda por baixo «Fernão Manuel de Ornelas Gonçalves, que na presidência da Câmara bem serviu a terra onde nasceu (1935-1946)».
A placa, entretanto, só viria a ser colocada na presidência seguinte, de Óscar Baltazar Gonçalves (1895-1958), por decisão de 30 de dezembro de 1950. Esta vereação também somente foi nomeada em abril de 1947 e mantendo a maioria dos anteriores vereadores, seguiu as linhas gerais das grandes obras anteriormente equacionadas e, inclusivamente, a denominação de Fernão Ornelas para esta artéria, que inicialmente se previa designar Rua dos Mercadores, em memória da primeira denominação da hoje Rua da Alfândega, representou, não somente uma homenagem, como, até certo ponto, também uma reparação pelo afastamento da presidência da Câmara, igualmente patentes na sua posterior nomeação para a direção do Banco da Madeira em Lisboa, a que se seguiu a nomeação para o conselho da administração da Caixa Geral de Depósitos, da Hidroelétrica do Cavado e do Banco Pinto & Souto Maior.
Para o projeto da nova artéria poderia ter sido ouvido o arquiteto João Guilherme Faria da Costa (1906-1971), então a trabalhar para a Câmara do Funchal na abertura da Rotunda do Infante e que em fevereiro de 1945 assina um Estudo do Arranjo da Praça do Município e sua Zona Imediata, mas o trabalho, em princípio, pois que não assinado, datado ou com memória descritiva, deve ser da responsabilidade do gabinete de obras camarárias e dada a marcação dos futuros lotes, também do gabinete jurídico. Em linhas gerais, alarga a antiga e estreita Rua dos Medinas, demolindo as fachadas e uma larga faixa de todo o antigo tecido edificado em ambos os lados daquela rua, fazendo desaparecer parte da antiga Rua da Cadeia Velha, cujo acesso passou a ser feito por arco e também por escadas. Tal pormenor leva a supor ter o nível da nova artéria subido bastante em relação àquela antiga rua.
A abertura a poente desta nova rua foi feita pela abertura de um novo largo, o Lardo do Phelps, que absorveu a antiga Rua do Phelps (Joseph Phelps, 1791-1876), fazendo recuar as fachadas dos prédios para norte, onde hoje se encontra o consulado alemão, tal como absorveu o Beco do Monteiro. A reforma estendeu-se para poente, tendo sido levantado um importante edifício comercial pela firma António Gomes Loja, Sucs., que parece que estava pronto em 1952, sensivelmente, edifício onde hoje se encontram instaladas as Finanças, também com fachada à antiga Rua da Princesa (D. Carlota Joaquina), hoje Rua 31 de Janeiro.
Todos estes novos edifícios seguem o formulário Estado Novo, geralmente designado por Português Suave e que foi formulado no Funchal pelo major João dos Reis Gomes (1869-1950) e pelo arquiteto Edmundo Tavares (1892-1983) no trabalho Casas Madeirenses, editado em 1937, onde este último publica algumas das suas iniciais propostas para as vivendas depois levantadas na Avenida do Infante e trabalho subsidiado pela Câmara Municipal do Funchal, trabalho que ainda teve uma 2.ª edição pela mão de Maria Mendonça (1916-1997), no Eco do Funchal, em 1968. O remate do cunhal do antigo edifício António Gomes Loja, Sucs., mimetizando a torre da sé do Funchal, no entanto e salvo melhor opinião, é, no nosso entender, um verdadeiro falhanço, pelo que não deve ser, por certo, de Edmundo Tavares.
Parece ter havido um especial acompanhamento de todos os projetos desde a boca da nova Rua Fernão Ornelas e do Largo do Phelps até ao final da rua, frente ao Mercado dos Lavradores e na Rua do Anadia, pelo gabinete de obras da Câmara Municipal, obedecendo quase todas os novos prédios ao formulário do Estado Novo, numa interessante coerência formal, sendo parte destes edifícios projeto do engenheiro Fernando Ribeiro Pereira (1914-1983). A coerência formal é quebrada a meio da artéria pela edifício pós-modernista e quase contundente, do Jornal da Madeira, obra do arquiteto Marcelo Costa (1927-1994), já de 1960, com uma fachada de desenho côncavo, revestida parcialmente a cerâmica e com amplas fenestrações horizontais, renegando compromissos com a história e assumindo a modernidade, o mesmo acontecendo com o edifício no lado oposto da rua, das antigas Galerias Cayres (João Silvério Caires, 1925-2011), da autoria do engenheiro acima citado, mas onde os andares são marcados por linhas horizontais muito bem pronunciadas e a articularem-se com uma torre central, já também numa linguagem algo pós-moderna. Parece, assim, ter sido propositada a introdução destes dois edifícios, que quebrando a monotonia das fachadas Português Suave, acabam, de certa forma, por chamar também a atenção para as mesmas.
Rui Carita
Universidade da Madeira.
Bibliografia: GAMA, José Gil (2011), Arquitetura e Turismo na cidade do Funchal no século XX. Dissertação de Mestrado em Arquitetura, Coimbra: Faculdade Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra; GOMES, João dos Reis (1937), Casas Madeirenses, colaboração de Edmundo Tavares, Funchal, Diário da Madeira; JANES, Emanuel (2021), “O Município do Funchal na Ditadura Militar e no Estado Novo (1926-1974)”, in Arquivo Histórico da Madeira, Nova Série, n.º 3, Funchal, pp. 562-625; LOPES, Agostinho do Amaral (2008), A Obra de Fernão Ornelas na Presidência da Câmara Municipal do Funchal, 1935-1946, tese de mestrado, Coleção Funchal 500 Anos, n.º 8; PERDIGÃO, Cristina Sofia Andrade (2009), Formação do centro urbano do Funchal: contributo das transformações urbanísticas, dissertação conducente à obtenção do grau de Mestre em Arquitetura, Universidade da Beira Interior, Covilhã; Ibidem (2017), O Turismo na Madeira – Dinâmicas e Ordenamento do Turismo em Territórios Insulares, tese de doutoramento, Lisboa, Faculdade de Arquitetura da Universidade de Lisboa; VASCONCELOS, Teresa (2008), O Plano Ventura Terra e a Modernização do Funchal (Primeira Metade do século XX), tese de mestrado, Coleção Funchal 500 Anos, n.º 5.