D. Estêvão Pedro de Alencastro, bispo de Arabissus, vigário apostólico do Havaii, Funchal (?), 1930 (c.), ilha da Madeira
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Descrição
D. Estêvão Pedro de Alencastro
(Porto Santo, 1876-Pacífico, 1940)
Fotografia do Funchal (?), agosto de 1930 (c.), quando da sua visita à Madeira e Porto Santo (?)
Reprodução de fotografia do Funchal, Jacinto da Conceição Nunes, 1939 (c.), JCN 195.
Funchal, ilha da Madeira
Estevão Pedro de Alencastre nasceu na ilha do Porto Santo, no dia 3 de novembro de 1876, no bairro da Vila. Foi o terceiro filho de Lúcio José de Alencastre e de Augusta Leopoldina Cândida Vasconcelos Baião de Alencastre, naturais da ilha. Estevão de Alencastre tinha apenas seis anos quando, em 1883, rumou ao Havaii a bordo do Hankow. À chegada ao arquipélago, a família estabeleceu‑se em Hilo, na ilha de Havai, durante um ano. Mudaram‑se depois para Waimea, na ilha de Kauai, onde não existia, na altura, uma igreja católica. Foi quando se mudaram para Hana, na ilha de Maui, que Estevão de Alencastre começou a tomar parte ativa na vida da missão católica: ajudava e acompanhava o pároco local nas missas e nas suas deslocações. quando Estevão de Alencastre tinha 13 anos, a família mudou‑se para Honolulu, onde o rapaz continuou a participar na vida da missão. Teve, contudo, uma infância e uma adolescência igual a tantos outros da sua idade, nada fazendo prever que enveredasse pela vida religiosa. Frequentou a escola da missão católica da Congregação do Sagrado Coração de Jesus e Maria e o Saint Louis College.
Estevão de Alencastre contava 18 anos quando D. Gulstan Ropert, o bispo da diocese, o convidou a ingressar no noviciado do sagrado Coração. Após cursar Filosofia e Teologia na universidade Católica de Lovaina, na Bélgica, o porto‑santense foi transferido para Courtrai, a fim de prosseguir os seus estudos humanísticos em francês. Estes viriam a ser interrompidos devido a uma doença de origem pulmonar, na sequência da qual Estevão de Alencastre foi enviado para a escola Apostólica de Simpelveld, na Holanda, para convalescer; porém, o clima frio da europa não era propício à sua recuperação, dando‑se assim o seu regresso às ilhas havaianas. Passou algum tempo em Wailuku e voltou para Honolulu, onde foi ordenado subdiácono a 26 de novembro de 1900, diácono a 6 de outubro de 1901 e padre a 5 de abril de 1902, com 25 anos.
A imprensa havaiana noticiava assim a ordenação do padre porto‑santense: “At 7 o’clock this morning, in the roman Catholic Cathedral, Stephanus Alencastre will be ordained a priest of the order of the sacred hearts. For the first time in the history of the Catholic mission of the hawaiian islands, an island boy will be given holy orders, and the ceremony will be interesting to many who have known the young priest since his boyhood [esta manhã, às 7.00 h, na catedral católica, Estêvão de Alencastre será ordenado sacerdote da Congregação dos Sagrados Corações. Pela primeira vez na história da missão católica nas ilhas havaianas, um filho da ilha receberá as ordens sagradas. A cerimónia será certamente de interesse para os muitos que conhecem o novo padre desde criança]” (Pacific Commercial Advertiser, 5 abr. 1902).
O P.e Estevão de Alencastre ficou a trabalhar na Catedral de N.ª Sr.ª da Paz, em Honolulu, desempenhando também trabalho missionário nas restantes ilhas do arquipélago. Foi‑lhe atribuída depois a igreja dos Sagrados Corações, em Punahou, onde permaneceu durante 15 anos. A 29 de abril de 1924, depois de uma visita a Roma, à Madeira (onde não terá podido visitar a sua terra natal devido as más condições climatéricas que impediram a travessia marítima para o Porto Santo) e a diversas capitais europeias, o P. e Estevão de Alencastre foi nomeado, pelo Papa Pio XI, bispo titular de Arabissus, passando a exercer funções de bispo coadjutor, com direito a sucessão, do bispo havaiano D. Libert Boeynaems. Fora este que, em 1922, quando uma doença de coração o impediu de continuar as suas atividades, pedira que o P. e Estevão de Alencastre, com quem trabalhava, fosse nomeado seu sucessor.
D. Estêvão foi consagrado bispo a 24 de agosto de 1924 em los Angeles, na Califórnia. A imprensa havaiana centrou a sua atenção na consagração deste bispo português, “imbuído de ideais americanos”, dando a conhecer a longínqua ilha do Atlântico que lhe servira de berço: “bishop Stephen is the first to hold the office of coadjutor in the islands and is the youngest priest ever elevated here to the estate of bishop. He is 48 years old and was born in the island of Porto Santo, famous as the place where Christopher Columbus studied nautical science. Porto Santo is the smallest of the Madeira group of islands [D. Estêvão de Alencastre é o primeiro a ocupar o cargo de coadjutor nas ilhas e é o sacerdote mais jovem de sempre a ser aqui elevado ao bispado. Tem 48 anos e nasceu na ilha de Porto Santo, famosa por ser o lugar onde Cristóvão Colombo estudou ciências náuticas. Porto Santo é a mais pequena das ilhas do arquipélago da Madeira]” (Honolulu Advertiser, 23 set. 1924). Também a imprensa madeirense acompanhou a elevação a bispo do seu conterrâneo Alencastre: “neste momento, deve já ter sido sagrado na Califórnia, bispo coadjutor de S. Exa. Rev. ma o senhor bispo do arquipélago havaiano, o padre Estevão de Alencastre, nascido na ilha do Porto santo e embarcado, ainda criança, com os seus pais para aquele arquipélago, habitando a cidade de Honolulu e paroquiando a igreja do Coração de Jesus” (Correio da Madeira, 19 out. 1924).
Este bispo, 6.º da sé de Oahu e 7.º vigário apostólico da Oceânia oriental, virou uma página na história da Congregação Missionária dos Sagrados Corações de Jesus e Maria no Havai. O seu espírito empreendedor e o seu sentido de organização fortificaram e fizeram crescer a missão. O seu episcopado ficaria marcado pelo aumento de clérigos e de paróquias em todos os distritos havaianos, pela construção de novas igrejas, pela remodelação da Catedral de N.ª Sr.ª da Paz, em Honolulu, e ainda pelo seu empenho na educação e na formação católica dos jovens residentes no Havai, independentemente da nacionalidade ou ascendência.
Em maio de 1930, a Madeira e o Porto Santo recebiam a notícia da visita do bispo do Havai. Com efeito, após uma viagem de cerca de seis meses, que incluiu uma visita ao Papa e a algumas capitais europeias, o bispo rumou a Portugal, onde participou em várias celebrações religiosas. Assim, e.g., tomou parte na romagem que a Cruzada Nacional Nuno Álvares Pereira promoveu a Ourém, Fátima, Batalha e aos campos de Aljubarrota para comemorar a “festa da pátria”, o que lhe permitiu concretizar o seu sonho de visitar Fátima, onde presidiu à peregrinação de 13 de agosto, tendo sido o oficiante da missa solene dos doentes. Respondendo ao convite da diocese madeirense, partiu a 16 de agosto para a Madeira a bordo do vapor Sierra Ventana, acompanhado pelo bispo do Funchal, D. António Manuel Pereira Ribeiro. Desembarcaram dois dias depois, sendo recebidos pelas autoridades locais, por muitos membros do clero e por católicos destacados do meio madeirense. A 23 de agosto, 47 anos após a sua partida para o Havai, o bispo, que contava então com 53 anos, visitou a ilha que o viu nascer “desembarcando a cavalo num outro homem, como havia embarcado quando ainda era criança” (Lanterna, 26 ago. 1930).
Esta visita, coincidente com os festejos do Espírito Santo, fez com que se deslocassem àquela ilha, para além da comitiva do bispo, 3 bandas de música e cerca de 1000 pessoas, distribuídas em 3 vapores que efetuavam as ligações marítimas entre as 2 ilhas: o Gavião e o Butio, que rumaram ao Porto Santo a 22 de agosto, e o Lima, que no dia 23 transportou o bispo e a sua comitiva para aquela ilha. A imponente receção que se fez ao bispo do Havai, natural da ilha do Porto Santo, foi descrita pelo correspondente José Marcelino Ezequiel Velosa da seguinte forma: “dizem‑nos que nunca nesta vasta e linda praia […] se juntou uma multidão tão grande. das mais afastadas povoações os seus habitantes vieram assistir ao desembarque, cobrindo de flores a figura nobre do distinto bispo. […] Muitas senhoras, os elementos mais distintos desta ilha, velhos, crianças, a câmara municipal, autoridades, os párocos daqui e representantes do clero do Funchal, depois de saudarem o prelado, organizaram um cortejo que é imponente. Nas ruas até a igreja formam‑se alas de povo. As três bandas que aqui vieram tomar parte nesta festa do Espírito Santo, fazem ouvir música que alegra toda a multidão, associando‑se a essa manifestação os veraneantes, e bem assim os numerosos passageiros do Lima, Butio e Gavião” (O Jornal, 26 ago. 1930).
A visita do bispo ao Porto Santo – também relatada pelos periódicos havaianos, que enalteceram a receção preparada para o seu bispo por parte dos madeirenses e porto‑santenses – durou 15 dias. Durante a sua estada, o prelado proferiu e foi agraciado com discursos eloquentes por parte das autoridades locais, contactou pessoalmente familiares e amigos e presidiu a várias cerimónias religiosas, tendo celebrado a primeira missa pontifical naquela ilha, onde ministrou o sacramento do crisma a cerca de 100 pessoas. Esta missa pontifical não só celebrava a festa do Divino Espírito Santo e a passagem de D. Estevão de Alencastre pela terra que o vira nascer, como também o 6.º aniversário da sua sagração episcopal.
A 7 de setembro, a bordo do Gavião, o bispo rumou à Madeira, aproveitando para visitar vários familiares e amigos. Partiu a 18 do mesmo mês, no vapor Armandale Castle, rumo a Southampton, deixando o seguinte testemunho sobre as impressões da sua visita: “As melhores, dessas que são indeléveis na nossa alma: a beleza da paisagem da Madeira fica perpetuamente nos meus olhos, como no meu coração fica a lembrança de tantos obséquios recebidos dos madeirenses. Quanto ao Porto Santo, não esquecerei nunca o entusiasmo e carinho com que fui recebido na terra de meus pais, as extremas amabilidades dos meus parentes e a franca hospitalidade do P. e Lira. S. exa. disse isto em tom comovido” (A Esperança, 1 nov. 1930).
De volta ao Havai, D. Estevão de Alencastre continuou o seu trabalho empreendedor. Particularmente interessado na educação católica dos jovens, fundou um seminário em Honolulu e foi durante o seu episcopado que a igreja Católica conheceu a sua maior expansão nas ilhas havaianas: “his whole life was one of intense zeal and proud success. it was crowned with strength and achievement and to a glory to the land of his birth and to the country of adoption which he loved. The churches and schools which were built during bishop Stephen’s administration would be enough to immortalize anyone. These include 44 churches, 11 schools and 23 rectories throughout the territory [levou uma vida de intenso zelo e honroso sucesso, coroada pelo seu vigor e as suas realizações, sendo uma glória para a sua terra de nascimento e para o seu país de adoção, que tanto amava. As igrejas e as escolas construídas durante a administração de D. Estêvão de Alencastre seriam suficientes para imortalizar qualquer um: 44 igrejas, 11 escolas e 23 casas paroquiais, espalhadas por todo o território]” (Honolulu Star‑Bulletin, 15 nov. 1940).
A 9 de novembro de 1940, o bispo faleceu devido a uma hemorragia cerebral, a bordo do Matsonia, quando regressava de uma viagem a los Angeles, onde fora participar na celebração do centenário da chegada do primeiro bispo católico romano à diocese californiana. A notícia da sua morte, aos 64 anos apenas, dominou os periódicos havaianos de então, espelho da consternação sentida em todo o arquipélago. O seu funeral foi imponente, juntando cerca de 10.000 pessoas num cortejo fúnebre até ao cemitério da R. King, em Honolulu, onde foi sepultado, ao lado dos outros bispos havaianos. No seu discurso fúnebre, o P.e Patrick Logan, em nome dos havaianos, pronunciou, em gesto de despedida: “Aloha! bishop Stephen, beloved of God and men, whose memory is in benediction; we have loved you in life, we will not forget you in death. Aloha! [Aloha! D. Estêvão, amado por Deus e pelos homens, de abençoada memória; amámos-vos em vida, não vos esqueceremos na hora da morte. Aloha!]” (Honolulu Advertiser, 16 nov. 1940).
No Havai, a obra de D. Estevão de Alencastre não foi esquecida. Os havaianos ficaram com a memória de um bispo que contribuiu para o desenvolvimento das ilhas, o que lhe valeu o cognome de o Construtor [the builder], e que lhes prestou um serviço espiritual valioso. A generalidade dos seus conterrâneos, na Madeira e no Porto Santo, mais depressa se esqueceria da “figura esbelta e insinuante, de maneiras fidalgas e trato primoroso, sem afetação no seu falar” (A Esperança, 1 nov. 1930), que havia passado pelo arquipélago português de visita à sua terra natal. A 14 de dezembro de 1944, numa reunião ordinária da Câmara Municipal do Porto Santo, o presidente da edilidade propôs dar o nome de D. Estevão de Alencastre a uma das ruas e colocar na casa onde este nascera uma lápide de mármore que homenageasse esse “filho ilustre do Porto Santo, que no estrangeiro, tão alto levantou o nome de Portugal e não menos o da sua terra natal”. Ultrapassados alguns entraves burocráticos, registados nas atas da referida Câmara, homenageou‑se em setembro de 1945 um daqueles corajosos emigrantes que levou o nome de Portugal, da Madeira e do Porto Santo às famosas ilhas Sanduíche. Sessenta anos mais tarde, porém, a casa acabaria por ficar em ruínas e a lápide deixara de estar acessível ao público.
Bibliog.: manuscrita: ABM, Câmara Municipal de Porto Santo, Livros de Atas da Câmara Municipal de Porto Santo, Acta da Reunião Ordinária de 14 de Dezembro de 1944, pp. 126 ‑126v.; impressa: The Catholic Herald, 15 nov. 1940; 22 nov. 1940; Correio da Madeira, 19 out. 1924; Diário da Madeira, 16 ago. 1930; 17 ago. 1930; 19 ago. 1930; 26 ago. 1930; 17 set. 1930; Diário de Lisboa, 16 ago. 1930; A Esperança, 1 nov. 1930; Honolulu Advertiser, 23 set. 1924; 12 nov. 1930; 10 nov. 1940; 13 nov. 1940; 16 nov. 1940; Honolulu Star‑Bulletin, 21 set. 1935; 12 nov. 1940; 15 nov. 1940; O Jornal, 11 maio 1930; 19 ago. 1930; 24 ago. 1930; 26 ago. 1930; A Lanterna, 26 ago. 1930; Pacific Commercial Advertiser, 5 abr. 1902. Susana Caldeira (DEM 1)