Banho no Auxílio Maternal do Funchal, bilhete-postal da Casa Portuguesa (atr.), 1905 (c.), Funchal, ilha da Madeira
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Descrição
Funchal. «Auxílio Maternal», instituição de beneficência. O BANHO.
«Free Crèche». Morning Bath.
Bilhete-postal, Funchal, Casa Portuguesa (atr.), 1905 (c.), ilha da Madeira.
O Auxílio Maternal foi fundado pelo Dr. José Joaquim de Freitas (1847-1936), a 3 abr. 1902, com estatutos aprovados a 4 jul. seguinte por alvará do governo civil, destinado a fornecer alimentação própria às crianças cujas mães, por doença ou privações, as não pudessem criar. No ano seguinte aparece associado e nas mesmas instalações de O Vintém das Escolas.
Pub. José Manuel Melim Mendes, Memórias do Funchal, O Bilhete-Postal Ilustrado até à Primeira Metade do Século XX; Reminiscences of Funchal - Illustrated Postcards up to the Mid 20th Century, design José Brandão / Elisabete Rolo (Atelier B2), edição bilingue do Autor e Funchal 500 Anos, 2007, ilha da Madeira, nº 351, p. 247.
A organização da Missão Marquês de Pombal e do Vintém das Escolas da Madeira foi estudada pelo doutor Nelson Veríssimo, em artigo publicado na revista Islenha 48 de 2011 e que, como no Continente, procurava formar cidadãos para a liberdade e a democracia que a República haveria de instituir (VERÍSSIMO, 2011, p. 87). O Funchal apresentava nos finais do séc. XIX a maior percentagem de analfabetos dos distritos do Continente e Ilhas Adjacentes, na ordem dos 87,97 % (Ib. p. 88, apud. CARVALHO, 2002, pp. 614 e 635-636), pelo que os republicanos censuravam a Monarquia por essa taxa de analfabetismo, entendendo que só com o alargamento e a obrigatoriedade do ensino primário, a democratização e laicidade, tal taxa poderia ser minimizada.
O periódico O Democrata: semanário dedicado ao povo liberal, que se começara a publicar no Funchal a 7 abr. 1901, propriedade de Sabino Joaquim Rodrigues (1859-1917) e da responsabilidade editorial de António M. Anjos Júnior, veículo das ideias republicanas, anticlerical e próximo da Maçonaria, senão porta-voz da loja Liberdade, logo na sua edição de 14 de jul. 1901, publicava os estatutos de O Vintém das Escolas, tecendo os maiores elogios ao recém-fundado patriótico instituto, que contrapunha à escola congregacionista a escola leiga. Constituía assim uma iniciativa do maior alcance, retirando ao clero a educação da infância, para ministrar, em vez de “uma pseudo-instrução que atrofiava o cérebro, uma outra que fortificava a razão e era capaz de formar futuros cidadãos obreiros do progresso” (VERÍSSIMO, ibd., p. 94).
No seguinte ano de 1902, O Democrata já informava que se tinha arrendado uma casa onde seria instalada a primeira escola de ensino livre pelo método João de Deus (João de Deus de Nogueira Ramos, 1830-1896) (Funchal, 20 jul. 1902) e, pouco depois, que já se tinham iniciado os trabalhos para instalação da escola, num edifício da Rua do Conselheiro, n.º 33, hoje final da Rua da Carreira (Ib., 3 ago. 1902). Já havia sido, entretanto, formada uma comissão para a instalação de O Vintém das Escolas, a exemplo do que estava a funcionar no Continente, onde funcionavam nove escolas sustentadas por aquela associação de Beneficência, Instrução e Educação Cívica (Ib., 17 ago. 1902). Não entendemos bem onde O Democrata foi recolher essa informação de já funcionarem nove escolas no Continente, pois a primeira, na antiga Rua Direita de Benfica, em Lisboa, somente foi inaugurada a 29 mar. 1903 e a do Funchal haveria de abrir, inclusivamente, alguns dias antes da de Lisboa. Salvo melhor opinião, pela documentação a que temos tido acesso, sempre parca, pois a documentação das lojas maçónicas, sigilosa como era, muito pouca chegou até nós, a primeira instituição nacional de O Vintém das Escolas e, na Madeira, da Missão Marquês de Pombal, parece ter sido a do Funchal.
A 15 de set. 1901 já havia sido criada a Liga Liberal da Madeira e um dos seus objetivos era a promoção e auxílio da fundação de escolas e institutos de ensino livre de ciências, artes e ofícios em toda a Ilha. A Liga preconizava a laicização da escola e a secularização absoluta da beneficência pública (VERÍSSIMO, ibd., p. 94). Nesse quadro, alguns dos membros da Liga Liberal integraram a organização de O Vintém das Escolas, como foi o caso do abastado comerciante Alfredo Guilherme Rodrigues (1862-1942), proprietário da Casa Portuguesa, ao Largo do Chafariz, no Funchal e, no Monte, do Monte Palace Hotel, que passou a presidente da comissão administrativa da Missão Marquês de Pombal, tal como o irmão, Henrique Augusto Rodrigues (1856-1934), passou a tesoureiro.
A escolha da figura de Sebastião José de Carvalho e Melo (1699-1782), conde de Oeiras e depois marquês de Pombal, para titular da missão madeirense, prende-se com a ideia da perseguição e expulsão dos Jesuítas e, talvez mais, com a da criação de um estado forte e centralizado, muito cara aos republicanos. A homenagem de dar o seu nome à praça que encerrava superiormente o passeio público de Lisboa, por exemplo, data de 6 maio 1882, data do aniversário do seu falecimento e foi feita na sequência da passagem pelo pelouro da Educação da câmara de Lisboa do coronel José Elias Garcia, cujo nome haveria de ser dado à missão continental. A primeira pedra para o futuro monumento foi logo lançada nesse ano, tal como se lançou então também a campanha de recolha de fundos. O concurso para a estátua, no entanto, só veio a ser lançado pela vereação republicana da câmara de Lisboa de 1913 e, a inauguração da mesma, somente em 1934, como símbolo então de um estado forte em vários sentidos.
A escola laical foi logo fortemente atacada pelos periódicos católicos, como O Correio da Tarde e a Quinzena Religiosa, que não se coibiram, inclusivamente, do ataque pessoal, como na edição do primeiro, de 30 ago. 1902, onde o presidente da comissão administrativa é denominado por Alfredo Rodrigues Vintém, apelando-se aos católicos para não frequentarem o seu estabelecimento comercial, a Casa Portuguesa, então, porventura, o mais importante do Funchal, a fim de castigarem esse “inimigo fidagal e acérrimo do Exmo. Prelado, de todo o clero e de todos os filhos da Igreja” (VERÍSSIMO, ibd., p. 95). Em causa estava a defesa da obra educativa do bispo D. Manuel Agostinho Barreto (1835-1911), designadamente através das Escolas de S. Francisco de Sales, que em 1905, segundo a Quinzena Religiosa de 1 set. desse ano, tinha aberto 4 escolas, frequentadas por mais de 1.500 alunos de ambos os sexos (VERÍSSIMO, ibd.).
A defesa da escola laical foi feita pelo Democrata, ora frontalmente ora com recurso à ironia e a primeira escola veio mesmo a abrir a 21 mar. 1903. Segundo o Diário de Notícias do Funchal desse dia, “pelo meio-dia”, inaugurar-se-ia, com 38 alunos, a “Escola Maternal de o Vintém das Escolas”, na então Rua do Conselheiro e onde era professora D. Rita de Freitas Rocha Macedo (ARM, ColJor, DN, 19030321, p. 1). No ano seguinte, o mesmo periódico anunciava o aniversário da escola e que havia sido dado feriado aos alunos, então já 80. Também ao meio-dia, estando presentes a direção, professora, ajudante e várias senhoras e cavalheiros, foi servido um delicado «lunch» aos pequeninos educandos de ambos os sexos, que manifestaram a ruidosa alegria própria dos seus anos. Acrescenta ainda o Diário de Notícias, que parecia que a direção da «Escola do Vintém» lidava no empenho de arrendar casa com maior capacidade, com um pequeno jardim, onde serão instalados a escola e o «Auxilio Maternal» (Ibid., 19040322, p. 2). Meses depois, o mesmo periódico anunciava o concurso para o lugar de professora adjunta, que se realizaria em setembro desse ano, enunciando a documentação a apresentar para o mesmo concurso (Ibid., 19040913, p. 3).
O Dr. José Joaquim de Freitas (1847-1936), formado pela Escola Médico-Cirúrgica e pela Faculdade de Medicina do Porto, desenvolvera uma extraordinária atividade como médico, mas também como político dedicado a causas humanitárias, tendo por várias vezes sido chamado à vereação do Funchal e tornando-se uma referência para os ideais republicanos na Madeira. A 3 abr. 1902 fundara o Auxílio Maternal, cujos estatutos foram aprovados a 4 jul. seguinte por alvará do governo civil, destinava-se. A instituição a fornecer alimentação própria às crianças cujas mães, por doença ou privações, as não pudessem criar (Elucidário, I, p. 109). Esta instituição, a curto prazo, passou a articular-se com O Vintém das Escolas, aparecendo o Dr. José Joaquim de Freitas, no surto de varíola de mar. 1907, a vacinar em conjunto com o Auxílio, 119 crianças (ARM, ib., 19070303, p. 2). Essa articulação ainda parece ser confirmada por uma fotografia dos arquivos maçónicos da Fundação Mário Soares (1924-2017), em Lisboa, dada como tirada no Funchal, onde aparece um rapaz com uma faixa com a indicação de O Vintém das Escolas e Auxílio Maternal, tudo parecendo indicar ser um dos bolseiros destas duas instituições (FMS/DCD, p. 04503.002.006).
A recolha de fundos no Funchal a favor de O Vintém das Escolas data logo do Verão de 1902, quando se realizou uma récita no Teatro D. Maria Pia, de que voltamos a ter notícias em 1916, com a receita líquida da estreia da revista Os Miúdos, no então Teatro Funchalense (VERÍSSIMO, ibd., p. 93). Outra fonte de receita deve ter ocorrido pela venda de bilhetes-postais, através da Casa Portuguesa e, provavelmente, com fotografia de João Anacleto Rodrigues (1869-1948), irmão de Alfredo Rodrigues e que com o outro irmão, Henrique Augusto Rodrigues (1856-1934), em 1883, tinham fundado o Bazar do Povo. Conhecem-se bilhetes-postais do segundo e do quinto aniversário de O Vintém das Escolas, realizados no Monte Palace Hotel e na quinta do Dr. José Joaquim de Freitas, também no Monte, legendados em português e inglês, com certeza, visando a recolha de fundos (Pub. por MENDES, Melim, 2007, pp. 246-247 e VERÍSSIMO, ibd., pp. 89-94).
Os aniversários de O Vintém das Escolas foram sendo sempre noticiados pelo Diário de Notícias, como o do 2º aniversário, quando a escola contava com 75 alunos de ambos os sexos e aos quais foi oferecido almoço no Monte Palace Hotel e, depois, um escolhido e variado jantar em casa do Dr. José Joaquim de Freitas. As crianças e as suas professoras tinham partido do Funchal no comboio do Monte e, pelas 5 e meia da tarde, vieram para o Flamengo, donde regressaram ao Funchal em carrinhos do Monte. As crianças mantiveram-se sempre na melhor ordem, tendo passado um dia verdadeiramente feliz (ARM, ib., 19050322, p. 2).
Em 1921, regista o Elucidário que a Missão Marquês de Pombal ainda sustentava uma escola no Funchal, estabelecida à Rua de Santa Maria, cuja frequência era então de 40 alunos, mas que tivera a princípio uma frequência de 105 alunos de ambos os sexos. Refere ainda que as suas receitas provinham das cotas dos sócios e de bailes, quermesses, etc., que se realizavam de tempos a tempos (Elucidário, II, p. 377).