Antiga Alfândega de Machico, 1490 (c.) e seguintes, desenho de 1916, Machico, ilha da Madeira
Categorias
Descrição
Antiga Alfândega de Machico.
Campanha de 1490 (c.)
Desenho pontualmente aguarelado, feito do natural, por Luís Tomé Teixeira, 1916
Objeto de escavações na campanha ARCHAIS de 2000 a 2001,
Arquivo da Câmara Municipal de Machico, ilha da Madeira.
O edifício da antiga Alfândega de Machico, demolido em 1916, era um edifício de planta ligeiramente retangular, com dois pisos e cuja fachada principal era virada ao mar. Durante cerca de um ano (2000--2001), ali foram realizados trabalhos arqueológicos que mostraram um conjunto significativo de estruturas pétreas basálticas com restos de argamassa e forneceram um espólio considerável onde se destacam vários fragmentos cerâmicos como bordos e paredes de anforetas, alguidares vidrados a verde, pratos vidrados de cor melada, porcelana, faiança pintada portuguesa e formas de açúcar de bordo emoldurado. Posteriormente foi edificado neste local um prédio de habitação e comércio. Era um robusto edifício de planta ligeiramente retangular, com dois pisos e vastas dependências destinadas à pesagem, armazenagem e medição A fachada principal e a entrada encontravam-se viradas para o mar, a Sul. Na fachada, virada a Norte, abria-se uma porta ogival de cantaria mole e avermelhada que dava serventia para uma rua transversal, atualmente a Rua da Árvore, um dos principais acessos ao centro da atual Cidade de Machico. A observação do desenho de Luís Tomé Teixeira, registada pouco tempo antes da demolição da Alfândega, e de outras fotografias da coleção do Arquivo Regional da Madeira, permitem uma leitura muito próxima à real dimensão daquela edificação. Precisamente as fotografias dos finais do século XIX mostram, particularmente, o carácter rude e a “nesga de muro negro” referido à época das paredes em cantaria
basáltica do edifício, bem como atestam a existência dos dois pisos. A cobertura seria muito provavelmente de quatro águas e de telha de meia-cana. Por informação dos Anais do Município de Machico, o edifício possuía um pequeno largo, denominado de “praça da Alfândega”, onde se efetuavam as arrematações públicas. Outra documentação cartográfica, como a Planta da Villa de Machico e do Forte de Nossa Senhora do Amparo de 1860, mostra, no enfiamento da Rua da Árvore, precisamente no espaço onde se localizava o antigo edifício da Alfândega, uma construção de
planta retangular que se presume poder corresponder àquela edificação. Todavia, além da referida planta não apresentar informação legendada, ela também não define com exatidão a natureza e o tipo de construção desenhada. Para todos os efeitos, e tendo como fim principal o levantamento virtual em três dimensões daquela construção, optou-se por calcular as dimensões da ocorrência, com base na referida planta de 1860. A estimativa dos valores obtidos rondam os 12,50m de comprimento e 4,20m de largura. Efetivamente, o ano de 1477 tem sido sistematicamente referido como o período de fundação das alfândegas madeirenses, por determinação da Infanta D. Beatriz que, por sua vez, nomeia para juiz daquelas estruturas fiscais Luís de Atouguia, anterior contador na ilha. No entanto, as prescrições de D. Beatriz – que, efetivamente, se revelaram fundamentais no estabelecimento das bases do funcionamento das alfândegas esclarecem o local exato da Capitania de
Machico em que o edifício da Alfândega foi criado. O documento apenas revela que o edifício foi implantado numa parte da jurisdição de Machico, não revelando concretamente a localidade exata: “Y na parte do Machico foram yso mesmo fazer outra alfamdegua per asobre dita maneyra. E depois qua as asy tiuerdes comçertadas fares todo apregoar per hos lugares acustumados (…)”.
Extintos os serviços alfandegários em Machico o edifício entrou no seu inevitável processo de degradação física. As ruínas acabariam por ser parcialmente soterradas pelas lamas e entulhos que, anteriormente à canalização da ribeira, as frequentes e sucessivas aluviões que fustigaram Machico foram arrastando. Quando, em 1916, o resto das ruínas foram derrubadas ainda podíamos observar um trecho de muralha que o tempo havia enegrecido, onde se abria a porta ogival, esta já parcialmente soterrada devido ao levantamento da Rua da Árvore para onde a dita porta dava serventia. A estratégia de intervenção foi, efetivamente, concretizada em função do espaço e das condições logísticas disponíveis. A ausência de qualquer vestígio material à superfície pertencente à antiga Alfândega, admitindo-se a hipótese dos alicerces terem sido devastados durante a implantação de uma casa no segundo quartel do século XX colocou, à partida, crescentes dificuldades. Por outro lado, os frequentes despejos de terras e pedras provenientes das frequentes aluviões a que o espaço esteve ao longo do tempo sujeito dificultaram, à partida, a ação de reconhecimento e prospeção do espaço, também ele relativamente e extenso (aproximadamente 1800m2). Atendendo às informações recolhidas (fotografias e recolha oral), optou-se por iniciar os trabalhos no
canto superior do gaveto da Praceta 25 de Abril, junto à Rua da Árvore. Programou-se uma série de sondagens paralelas ao terreno, do tipo “trincheira” no sentido poente-nascente, distanciadas entre si em cerca de 2 metros, com recurso a meios mecânicos devidamente acompanhados. Note-se que a intervenção neste espaço foi despoletada pela consciencialização do Senhor Manuel Rufino Teixeira, falecido em 2016. Identificadas as primeiras estruturas de um muro (UE10) a Sul suspenderam-se as sondagens – mecânicas e iniciou-se a escavação em área aberta, no espaço confinado a Sul da Rua da Árvore e limite exterior do edifício a Este. A continuidade da escavação, embora não a possibilitasse a identificação das antigas fundações daquela casa fiscal, pôs a descoberto um conjunto interessante de diferentes estruturas sobrepostas numa relativa diacronia de ocupação e abandono do espaço. O perfil da área identificada, particularmente pela natureza das estruturas posta à vista (pavimentos de calhau rolado, uma levada e dois canteiros, um dos quais (UE9) surpreendentemente com restos vegetais) autorizou a interpretação daquela ocorrência como um espaço verde, de dependência exterior, anexo provavelmente ao edifício alfandegário. No entanto, a possibilidade de confirmar a eventual localização da Alfândega a nascente do espaço escavado torna-se, no momento, extremamente difícil pela existência de uma habitação posteriormente construída nesse limite (e que provavelmente terá se implantando sobre as fundações da Alfândega). Pub. in “19 anos de Arqueologia Urbana em Machico, Região Autónoma da Madeira”, Isabel Paulina Sardinha de Gouveia e Élvio Duarte Martins Sousa, Arqueologia em Portugal / 2017 – Estado da Questão, coordenação editorial de José Morais Arnaud e Andrea Martins, Lisboa, Associação dos Arqueólogos Portugueses, 2017, Figura 8– Ruínas da Alfândega de Machico, desenho de Luís Tomé Teixeira, 1916 (Arquivo CMM).