A Visão (Luso-)Americana da Revolta da Madeira: O conflito visto a luz do The New York Times e do Diario de Noticias de New Bedford (Portuguese Edition)
Duarte Mendonça (1974-), apresentada pelo comendador Rui Nepomuceno, com a presença do autarca da Câmara Municipal do Funchal, Paulo Cafôfo, abril de 2016.
Fotografia do hastear da bandeira nacional na antiga Quinta Vigia
Funchal, ilha da Madeira.
A 4 de Abril de 1931 eclodiu a
Revolta da Madeira, liderada pelo General Sousa Dias, que pretendia derrubar a Ditadura vigente em Portugal desde 28 de Maio de 1926 e o retorno do nosso país a um sistema democrático e constitucional. Esta insurreição militar contou então com uma forte adesão da população madeirense, a braços com uma crise sem precedentes, que a apoiou desde a primeira hora. Por diversos motivos esta revolta não conseguiu os seus intentos mas obrigou o General Carmona a enviar para a Madeira um forte contingente militar, composto por forças de terra, mar e ar, para a debelar. Caía assim por terra o ideal da Liberdade, que norteava os revoltosos, e com o fim do sonho Portugal viveria durante várias décadas sob o jugo da Ditadura, até ao despontar do 25 de Abril. Ao assinalar-se a efeméride do 85.º aniversário do início da Revolta da Madeira lançamos este novo estudo, que apresenta uma visão inédita desta sublevação militar, vista pelo prisma do conceituado
The New York Times e do
Diário de Notícias de New Bedford, complementada com profusa documentação da época, que nos faculta uma nova leitura dos eventos de 1931, através do cruzamento dos testemunhos de alguns dos principais intervenientes nestes acontecimentos que marcaram a história regional e nacional.
O pronunciamento da
Revolta da Madeira iniciou-se pelas 07h00 de 4 de abril de 1931, numa operação chefiada pelo tenente médico Manuel Ferreira Camões (1898-1963), que envolveu forças de Caçadores 5, Metralhadoras 1, Infantaria 13 e Artilharia 3, que toma o Palácio de São Lourenço, onde são aprisionados os coronéis Silva Leal (Alto Comissário do Governo) e José Maria de Freitas (Governador Militar). O Governador Civil de então, o capitão Almeida Cabaço, é também detido. Nesse mesmo dia, foi constituída uma Junta Governativa da Madeira, presidida pelo general Sousa Dias (1865-1934) e composta pelos oficiais Armando Hasse Ferreira, Augusto Casimiro, Carlos Bragança Parreira, Carlos Vilhena, Fernando Freiria, Filipe de Sousa, José Mendes dos Reis, Manuel Ferreira Camões e Sebastião Costa, que declara só depor armas assim que o Governo de Lisboa assegure o retorno ao sistema constitucional e o fim da censura.
Os revolucionários obtiveram o apoio imediato da população, que se manifestou favoravelmente no Largo da Restauração, e que já havia protestado veemente contra as políticas económicas restritivas do Estado, na chamada Revolta da Farinha (entre 4 e 9 de fevereiro de 1931). A grave crise económico-financeira que assolava a Madeira e o manancial de deportações para a (e da) ilha, de dissidentes civis e militares que participaram em movimentos insurrecionais (o primeiro ocorreu na Revolta de fevereiro de 1927), propiciou o sucesso inicial da Revolta da Madeira, que teve repercussão em algumas ilhas dos Açores, Guiné Portuguesa, Moçambique e São Tomé, que se sublevaram no mesmo mês. A rápida supressão desses levantamentos por parte do regime, a incapacidade de replicar o pronunciamento no continente e a falta de armamento, irá hipotecar o sucesso da Revolta da Madeira, que, todavia, foi a de mais longa duração (28 dias).
Nesse curto espaço temporal, foi possível reunir a adesão da grande maioria dos partidos políticos locais, e formar um governo provisório onde o General Sousa Dias assumiu o Poder Executivo e Legislativo em acumulação com o Comando Militar da Madeira, secundado pelos coronéis Augusto Freiria (Chefe do Estado Maior) e Mendes dos Reis (Comandante das Forças), e ainda por Ferreira Camões (Delegado das Forças revolucionárias). Foram nomeados como Subsecretários, os cidadãos Dr. Manuel Pestana Júnior (Economia Pública) e Carlos Frazão Sardinha (Comércio e Comunicações). Entre as primeiras ações da Junta Revolucionária da Madeira, encontram-se medidas populistas como a revogação do decreto (da fome)19.273, concessão de empréstimos à indústria de bordados, proibição de especulação sobre bens essenciais e ativação de mecanismos de defesa. Perante o cenário de conflito armado, as nações estrangeiras com interesses na região acionaram meios, sendo que no dia 8 de abril já se encontrava fundeado na baía do Funchal o cruzador inglês
London, com o intuito de proteger os súbditos britânicos e seus bens.
A reação do Estado ganha visibilidade a 7 de abril, altura em que partem forças de Lisboa para dominar a revolta, sob o comando do coronel Fernando Borges. A 24 e 25 desse mês, partem novas expedições para a Madeira, respetivamente sob o comando do Contra-Almirante Magalhães Correia e do Coronel Carneira. As hostilidades começam no dia 26 de abril, no Caniçal, e nos dias que se seguem ocorrem novos ataques na Calheta, Funchal e Machico, sendo que os combates mais intensos ocorreram no dia 30 (Caniçal e Machico). No dia seguinte, as forças governamentais bombardearam o litoral Sul e tomaram Machico, onde se verificam mortos e feridos. No dia 2 de maio, perante a incapacidade de contrariar as forças governamentais, que atacavam por terra, mar e ar, a Junta Governativa da Madeira, reunida no Porto Novo, envia um telegrama de rendição ao ministro da Marinha. Seguir-se-iam represálias de ordem económico-financeira e penas de degredo em África (
Cultura Madeira, 4 abr. 2021).