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Arquipelago de Origem:
Sharjah
Data da Peça:
2017-00-00
Data de Publicação:
08/11/2023
Autor:
Duarte Barbosa e outros
Chegada ao Arquipélago:
2023-11-08
Proprietário da Peça:
Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra
Proprietário da Imagem:
Universidade de Coimbra
Autor da Imagem:
Universidade de Coimbra
A Momentous Journey. The Complete Manuscript of The “Book of Duarte Barbosa” 1565, Sultan Bin Mohammad Al-Quasimi, Sharjah: Al Qassimi Publications, 2017, Emirados Árabes Unidos

Categorias
    Descrição
    A Momentous Journey. The Complete Manuscript of The “Book of Duarte Barbosa” 1565
    (c. 1480-1546/47)
    Impresso sobre papel, 20,5 × 28 cm.
    Sultan Bin Mohammad Al-Quasimi, Sharjah: Al Qassimi Publications, 2017, Emirados Árabes Unidos.
    Pub. in Os Portugueses no Golfo, 1507–1650, uma história interligada, The Portuguese in the Gulf, 1507–1650, an interlinked history, catálogo de exposição na Feira do Livro do Emirado de Sharjah, Emirados Árabes Unidos, 1–12 novembro 2023, com coordenação científica de José Pedro Paiva e Roger Lee de Jesus, apresentação/introdução de Ahmed Bin Rakkad Al Ameri, presidente da Sharjah Book Authority, Centro de História de Sociedade e Cultura da Universidade de Coimbra, Imprensa da Universidade, março de 2023, nº 40, p. 111.

    O Livro de Duarte Barbosa é uma das obras portuguesas mais relevantes do século XVI. Trata-se de uma descrição dos territórios que estavam em contacto direto ou sob alçada do Estado da Índia nos inícios de Quinhentos, desde a costa oriental africana, até ao sudeste asiático, indo até à China e, claro, incluindo toda a região do Golfo. Crê-se que terá sido terminado por volta de 1516, e a sua indiscutível autoria é de Duarte Barbosa. Contudo, se hoje se sabe, com alguma certeza, quem foi este homem e o seu trajeto, durante mais de um século houve dificuldade em identificar o seu percurso biográfico. Este problema resultou dos vários homónimos existentes na Ásia neste período, pois contam-se três pessoas com este mesmo nome. Um deles era cunhado do famoso Fernão de Magalhães. Serviu na Índia entre 1500 e sensivelmente 1516, tendo participado na armada de Magalhães, que partiu em direção às ilhas de Maluco (atual Indonésia) em 1519, acabando por falecer, como o próprio cunhado, nas Filipinas, em abril de 1521. Outro Duarte Barbosa serviu também na vertente asiática do império português nas décadas de 1510 a 1530, sendo piloto, morrendo no Estado da Índia por volta de 1532–1533. Por fim, o Duarte Barbosa que se crê ter escrito o Livro, partiu para a Ásia em 1500, na armada de Pedro Álvares Cabral, tendo sido escrivão em diversas fortalezas portuguesas, como Cananor e Calecute, e falecendo entre 1546-1547. Durante muito tempo (por culpa de Giovanni Battista Ramusio (1485-1557), que primeiramente propôs esta identificação, em 1550) acreditou-se que o autor do Livro era o familiar de Magalhães, mas a análise crítica dos diversos manuscritos existentes e do conteúdo da obra inviabiliza esta proposta. O Livro reflete o conhecimento pessoal do autor dos territórios descritos bem como aquele adquirido através de informadores locais, e oferece uma visão panorâmica sobre a história, os costumes e o comércio do espaço por onde se moviam os portugueses. No que diz respeito ao Golfo, a obra ocupa vários fólios, nas suas várias versões manuscritas, descrevendo toda a região. Dá particular destaque ao reino de Ormuz e às várias ligações comerciais em direção à Arábia e à Pérsia. O texto reflete não só a curiosidade e interesses pessoais de Duarte Barbosa, como aqueles que interessavam para o desenvolvimento e expansão do império português na Ásia. Assim se explica também o sucesso da obra, abundantemente copiada e que acabou por ganhar sucesso em versão impressa, em meados do século XVI. A difusão da obra é hoje bem conhecida graças à edição crítica do Livro de Maria Augusta da Veiga e Sousa, publicada entre 1996 e 2002.
    O manuscrito mais antigo que se conhece data de 1524. Trata-se de uma tradução feita para castelhano, pela mão de Martín Cinturion, produzida por altura das negociações que debatiam a real localização das ilhas de Maluco, entre Portugal e Castela. A obra foi traduzida pelo próprio Cinturion com o apoio do cartógrafo Diogo Ribeiro, que possuía a cópia do manuscrito que serviu de base à tradução, o que demonstra que, apesar do ambiente de sigilo existente, este tipo de documentação acabava por circular nos meios cultos da época. Neste sentido, sabe-se que o próprio Ribeiro terá usado a informação do Livro na composição e legendagem dos seus planisférios, produzidos em 1529, em Sevilha, de que destacamos aquele existente atualmente na Biblioteca do Vaticano. Da tradução de 1524 derivou outra versão traduzida, desta vez para alemão, realizada em 1530, por Jerónimo Seitz, preservada na Biblioteca de Estugarda. Foi também da tradução castelhana que foi feita a primeira edição inglesa, em 1865, por Lord Henry Stanley of Alderley, sob a tutela da Hakluyt Society.
    Dos manuscritos em português, a cópia mais antiga data de 1539, hoje, na Biblioteca Nacional de Portugal (em Lisboa), sendo realizada por Francisco Múcio Camerte e terminada em Baji, capital do Congo, na costa ocidental africana, a 12 de janeiro desse ano. O Arquivo Nacional da Torre do Tombo (Lisboa) preserva a segunda cópia mais antiga, datada de aproximadamente 1542, tendo sido realizada por alguém que conhecia bem o Estado da Índia e que participou em múltiplas campanhas militares, conforme as anotações acrescentadas ao texto original.
    Contudo, um dos manuscritos completos que se conhece faz hoje parte da colecção do Sultan Al­Qasimi Centre for Gulf Studies, no Emirado de Sharjah (Emirado Árabes Unidos). A história desta cópia é parcialmente conhecida pois fazia parte do códice que continha o chamado Livro de Lisuarte de Abreu. Datado de c. 1558–1565, o manuscrito apareceu em 1812 na posse de Sebastião Francisco Mendo Trigoso, o qual o usou na primeira versão impressa em Portugal do Livro, nesse mesmo ano, publicada pela Academia das Ciências de Lisboa. No final do século XIX entrou na coleção do infante D. Afonso, irmão do rei D. Carlos, o qual o depositou na Biblioteca da Ajuda (Lisboa), de onde desapareceu em 1911. O códice foi então dividido em três partes: depois de várias andanças, duas delas foram adquiridas pela Morgan Library & Museum (Nova Iorque) entre 1912 e 1963 (Ms. M525). Estas duas contêm a descrição da viagem da Carreira da Índia de 1558, a cópia de várias cartas desse período, bem como o retrato dos governadores e vice-reis do Estado da Índia (entre 1505 e 1558) e das armadas da Índia nesse espaço de tempo, e ainda de várias cenas de confrontos militares e episódios avulsos relativos à presença portuguesa na Ásia. A terceira parte, com o Livro de Duarte Barbosa, reapareceu recentemente, estando no Emirado de Sharjah, sendo publicada na íntegra em 2017, em versão portuguesa, inglesa e árabe.
    Muitas outras cópias manuscritas posteriores (da segunda metade do século XVI em diante) são ainda conhecidas em Espanha, França e até na Alemanha, mas aquelas aqui destacadas primam pela antiguidade e pela qualidade das suas versões. Para além da circulação do Livro ser comprovada por esta profusão de manuscritos, a obra de Duarte Barbosa ganhou notoriedade por ter sido incluída na famosa compilação de relatos de viagem do veneziano Giovanni Battista Ramusio, o Navigationi et Viaggi, cujo primeiro volume foi publicado em 1550, com sucessivas reedições — por exemplo, a Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra possui a 2.ª edição, de 1554. O relato surgia então com o título de Libro Di Odoardo Barbessa Portoghese (corrigindo o nome para Barbosa na 2.ª edição em diante). A tradução para italiano teve, provavelmente, como base a versão de Cinturion, de 1524, e uma versão portuguesa, obtida talvez através de Damião de Góis. O sucesso desta coletânea de textos assegurou assim o próprio sucesso do texto de Duarte Barbosa, permitindo que fosse conhecido por toda a Europa nos séculos seguintes. A versão publicada por Ramusio foi tida com tanto crédito que serviu de complemento à edição portuguesa de 1812, de Mendes Trigoso, bem como à segunda edição inglesa, mais completa, realizada por Mansel Longworth Dames, em dois volumes, entre 1818–1821, e novamente sob a tutela da Hakluyt Society.
    Como já foi dito, o conteúdo do livro é excecional pela diversidades das informações recolhidas nos inícios do século XVI, rivalizando com a Suma Oriental de Tomé Pires, obra também de carácter informativo sobre a Ásia e elaborada na mesma década. Se o Livro em si não tem um título formal — sendo simplesmente conhecido à época por Livro de Duarte Barbosa — as várias cópias e edições foram acrescentando o teor quase enciclopédico do conteúdo ao seu nome. Por exemplo, surge intitulado, nas várias cópias, como “Livro que trata das cousas e partidas da India, a saber, da conquista e navegação del rei nosso senhor”, ou “Discrição das terras da India Oriental e de seos uzos, costumos, ritos e leys” ou ainda como “Lybro que conta e poõe por meudo todas as cousas da Yndya desde o cabo da Boa esperaança atee as ylhas Maluco e reyno da China”. No entanto, o nome pelo qual a obra tem sido mais popularizada — Livro do que viu e ouviu no Oriente Duarte Barbosa — revela bem a importância da recolha de informações na construção do império português na Ásia. Nesse sentido, o texto de Duarte Barbosa é sem dúvida um marco no panorama literário deste período, imprescindível para compreender os mundos com os quais os portugueses contactaram no outro lado do globo. [Roger Lee de Jesus]