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Arquipelago de Origem:
Bahrain
Data da Peça:
1560-00-00
Data de Publicação:
07/11/2023
Autor:
Não identificado
Chegada ao Arquipélago:
2023-11-07
Proprietário da Peça:
IAN/TT Col. São Vicente
Proprietário da Imagem:
Universidade de Coimbra
Autor da Imagem:
Universidade de Coimbra
Planta das ilhas de Barém e fortaleza do Bahrein, Qal'at al-Bahrain, 1560 (c.), reino do Bahrain

Categorias
    Descrição
    Tavora de Barem
    Planta das ilhas de Barém e fortaleza do Bahrein, Qal'at al-Bahrain
    Manuscrito sobre papel 28,5 × 20,8 cm
    Portugal (?), c. 1560
    Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Coleção de São Vicente, Livro 15, fl. 287v-288r.
    Lisboa, Portugal.
    Pub. in Os Portugueses no Golfo, 1507–1650, uma história interligada, The Portuguese in the Gulf, 1507–1650, an interlinked history, catálogo de exposição na Feira do Livro do Emirado de Sharjah, Emirados Árabes Unidos, 1–12 novembro 2023, com coordenação científica de José Pedro Paiva e Roger Lee de Jesus, apresentação/introdução de Ahmed Bin Rakkad Al Ameri, presidente da Sharjah Book Authority, Centro de História de Sociedade e Cultura da Universidade de Coimbra, Imprensa da Universidade, março de 2023, nº 29, p. 97.

    O Arquivo Nacional da Torre do Tombo, em Lisboa, conserva nas suas coleções uma miscelânea manuscrita, integrada na chamada Coleção de São Vicente, que inclui textos variados, assim como diversas ilustrações, maioritariamente do século XVI. A parte final do códice é composta por uma cópia do famoso Roteiro de Goa a Diu, que D. João de Castro redigiu durante a viagem que efetuou em 1538 desde a capital do Estado da Índia até à fortaleza portuguesa do litoral do Guzerate. A cidadela de Diu encontrava-se então cercada por uma confederação de forças indianas, que incluía também um importante contingente otomano, comandado por Hadim Suleiman Pasha. D. Garcia de Noronha, vice-rei do Estado da Índia, organizou a partir de Goa uma armada de socorro, que acabaria por libertar a fortaleza portuguesa e derrotar as forças inimigas.
    O fidalgo português D. João de Castro estanciou uma primeira vez no Oriente entre 1538 e 1542, e mais tarde regressaria para assumir o cargo de governador do Estado da Índia, entre 1545 e 1548. Durante o seu primeiro período oriental, Castro preparou três roteiros muito detalhados sobre as diversas viagens marítimas que efetuou, os quais na época permaneceram manuscritos, embora conhecendo alguma circulação: um Roteiro de Lisboa a Goa, que descrevia a viagem que efetuou em 1538; o já referido Roteiro de Goa a Diu; e um Roteiro do Mar Roxo, descrevendo a grande expedição organizada por D. Estêvão da Gama em 1540-1541, durante a qual os navios portugueses entraram no Mar Vermelho e chegaram até Suez.
    Os roteiros de Castro, repletos de pormenores técnicos sobre ventos, correntes, singraduras, ancoradouros, fauna e flora marinha, fenómenos naturais e instrumentos náuticos, continham também ilustrações representando sobretudo os principais portos visitados. Cada ilustração apresentava uma vista de um dado porto, com pormenores sobre a topografia e hidrografia respetivas, bem como sobre as principais edificações e marcos topográficos assinaláveis, incluindo ainda desenhos das mais variadas embarcações europeias e orientais. Não é improvável que D. João de Castro fosse o autor dos desenhos originais, que depois foram reproduzidos em sucessivas cópias; mas também poderia ter trabalhado com a ajuda de algum desenhador experimentado.
    A cópia do Roteiro de Goa a Dia que se conserva na Torre do Tombo inclui na última folha uma curiosíssima planta em perspetiva das ilhas de Bahrain (ou Barém), no Golfo, um local que, tanto quanto é possível apurar, D. João de Castro nunca visitou. Contudo, as caraterísticas desta planta são absolutamente idênticas às das ilustrações de outros portos que integram o mesmo Roteiro. É impossível apurar de que forma a planta de Bahrain foi incorporada no códice manuscrito da Torre do Tombo, mas pela análise do respetivo conteúdo é possível determinar que terá sido desenhada em finais da década de 1550. O desenhador adotou o mesmo estilo das ilustrações dos roteiros de D. João de Castro, representando uma fortaleza, edifícios de habitação, um edifício que poderá ser uma mesquita, diversos palmeirais e algumas embarcações.
    Os portugueses mostraram interesse por Bahrain desde os primeiros anos de século XVI, pois era sabido que neste arquipélago se localizavam importantes pesqueiros perlíferos. Assim, a partir do estabelecimento de um protetorado português sobre a ilha e reino de Ormuz em 1515, por ação de Afonso de Albuquerque, as ilhas de Bahrain, tradicionalmente dependentes dos soberanos ormuzinos, passaram a estar na órbita do Estado da Índia. Mas as relações entre os capitães portugueses da fortaleza de Ormuz e os governadores de Bahrain nem sempre foram fáceis, já que estes últimos sempre se procuraram eximir ao pagamento de tributos. Os portugueses enviaram durante a primeira metade do século XVI diversas expedições navais a Bahrain. Em 1514, Pêro de Albuquerque comandou uma primeira visita de reconhecimento; em 1520–1521, uma outra armada visitou o arquipélago, sob o comando de António Correia (mais tarde conhecido como ‘Baharen’), que se envolveu em confrontos com Muqrin ibn Zamil, o governador local; em 1529, teve lugar a malograda expedição de Simão da Cunha, que, apesar de ter desembarcado nas ilhas do arquipélago, veio a falecer no regresso a Ormuz, juntamente com uma grande parte dos expedicionários. Documentos da época que se referem a estas expedições dão notícia da existência no arquipélago de uma fortificação árabe, situada precisamente na ilha de Bahrain.
    Em meados da década de 1550, o Império Otomano, que desde 1546 controlava o porto de Basra (Baçora), ocupou também a região de al-Hasa, na costa árabe fronteira a Bahrain. E terá sido esta ameaça direta do poder otomano face aos interesses do Estado da Índia, concretizada no cerco levantado a Bahrain por Mustapha Pasha em 1559, que motivou a expedição portuguesa comandada por D. Antão de Noronha, em auxílio de Djalal al-din Murad Mahmud, que então governava o arquipélago. As forças portuguesas lograram afastar a ameaça otomana, datando deste período a consolidação da fortaleza de Bahrain por Inofre de Carvalho. O arquiteto português, que fazia parte da força expedicionária oriunda de Ormuz, ao longo de 1560 dirigiu os trabalhos de consolidação da fortaleza de acordo com as mais atualizadas teorias arquitetónicas europeias. A partir de então, a fortaleza de Bahrain manteve uma guarnição portuguesa, transformando-se num importante bastião do Estado da Índia no Golfo, até 1602, data da conquista do arquipélago pelas forças de Abbas I, xá da Pérsia.
    A planta de Bahrain da Torre do Tomo tem sido datada de 1538–1539, por analogia com as restantes ilustrações do roteiro de D. João de Castro onde está inserida. Mas é provável que seja mais tardia, e que date de 1560, pois numa das suas torres aparece uma bandeira com a cruz de Cristo. E a ocupação portuguesa da fortaleza só foi efetiva a partir da reconstrução orientada por Inofre de Carvalho. O facto de esta planta coincidir com a descrição textual apresentada por João de Barros na sua Ásia — Década IV, no contexto da expedição de Simão da Cunha a Bahrain em 1529, não invalida a datação aqui proposta, pois é sabido que o cronista português ainda trabalhava nesta sua obra na década de 1560, e que a mesma só seria publicada postumamente em Madrid, em 1615. [Rui Manuel Loureiro]