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Arquipelago de Origem:
Freguesia da Sé (Funchal)
Data da Peça:
2021-08-21
Data de Publicação:
19/05/2023
Autor:
Câmara Municipal do Funchal
Chegada ao Arquipélago:
2023-05-19
Proprietário da Peça:
Câmara Municipal do Funchal
Proprietário da Imagem:
Rui Marote
Autor da Imagem:
Rui Marote
Diploma de mérito da cidade do Funchal para Vicente Jorge Gomes da Silva, 21 de agosto de 2021, ilha da Madeira

Categorias
    Descrição
    Diploma de mérito, grau de ouro, da cidade do Funchal para Vicente Jorge Silva.
    (1945-2020)
    Fotografia de Rui Marote, 21 de agosto de 2021.
    Funchal, ilha da Madeira.

    Vicente nasceu no Funchal no dia 8 de novembro de 1945. Cresceu ao lado de um estúdio fotográfico, o Atelier Vicente's, hoje Museu de Fotografia da Madeira, criado pelo bisavô Vicente Gomes da Silva, em 1846. O avô Vicente Júnior fora fotógrafo. O pai, Jorge Bettencourt Gomes da Silva (1913-2008), era fotógrafo. O tio, Vicente Bettencourt Gomes da Silva, também era fotógrafo. E ele andava por ali, entre cenários, máquinas fotográficas, livros de técnicas fotográficas e mobiliário de atelier. O atelier intrigava-o. Era como se ele fosse a Alice e o atelier o País das Maravilhas. Terá começado aí a sua paixão pelo cinema. Adorava assistir a matinées e soirées. Aos 15 anos, escrevia crítica de filmes para maiores de 17. Findo o 5.º ano (actual 9.º), o reitor do Liceu Nacional do Funchal, hoje Escola Secundária Jaime Moniz, convidou-o a deixar o estabelecimento. Se o pai o matriculasse, faria chegar informação comprometedora à polícia política.
    Durante um par de anos, viveu fora do país. Trabalhou numa fábrica de cola em Paris, lavou pratos em Londres, carregou lixo e colchões num hotel de Bournemouth. Ainda foi jardineiro e cuidador de idosos antes de regressar à ilha. Decorria 1966. A Guerra Colonial travava-se em várias frentes e ele podia ter ido lá parar. Os maus ouvidos livraram-no do serviço militar obrigatório.
    Uma forma de resistência
    Eu acabara de fazer 21 anos e, uma noite, o Artur Andrade, contrabaixista no Casino, veio anunciar-nos, muito excitado, que tinha alugado o título de um jornal sem leitores que então se editava na Madeira.” O relato, feito a Tolentino de Nóbrega (1952-2015), está num artigo publicado no PÚBLICO a 2 de Janeiro de 2007. “O jornal chamava-se Comércio do Funchal, um título ingrato, mas o nosso pequeno grupo percebeu que estava ali a oportunidade com que sempre sonháramos desde os tempos das páginas juvenis e de ‘artes e letras’ que fôramos publicando na imprensa local. Era a oportunidade de termos um jornal nosso, contra o paroquialismo sufocante e a fealdade gráfica dos outros jornais regionais. Imprimimo-lo em papel cor-de-rosa para sublinhar a diferença.” O meio era pequeno. Vicente e os amigos conseguiam negociar com os censores, que bem conheciam. “Ousávamos publicar coisas que seriam quase impensáveis na imprensa continental e isso mobilizou a atenção de amigos mas também de inimigos”, disse ainda. Por causa de uma edição inspirada pelo Maio de 68, o jornal foi suspenso durante uns meses. Nesse embalo, ganhou leitores no território continental. Chegou a vender 15 mil exemplares, algo extraordinário na época.
    Ao apresentar o livro Vicente Jorge Silva — Conversas com Isabel Lucas (Temas e Debates, 2013), o historiador Pacheco Pereira, reconhecendo-o como uma figura histórica do jornalismo, destacou essa "experiência madeirense": “O que tinha de diferente o Comércio do Funchal — e essa diferença valorizou-se com os anos —​ é que era único no sentido de que correspondia a uma área da esquerda radical, mas que não era sectária. [Na época] isso praticamente não existia em lado nenhum, a não ser mesmo em vésperas do 25 de Abril de 1974.”
    A seguir ao 25 de Abril de 1974, que derrubou a ditadura e, com ela, a censura prévia, Vicente mudou-se para Lisboa. Tornou-se jornalista do Expresso. Foi chefe de redacção e director adjunto. Criou e dirigiu a Revista, reservando um espaço inusitado para a cultura e para o internacional. “Foi ela que puxou o jornal para cima numa altura de um cinzentismo absoluto na imprensa portuguesa”, salientou, na já referida entrevista à Sábado. “Aí o meu grande companheiro foi o Mega [Ferreira].”
    Custou-lhe sair do Expresso. Tinha uma grande ligação afectiva ao jornal. Ainda apresentou o projecto do diário a Francisco Pinto Balsemão antes de ir à Maia apresentá-lo a Belmiro de Azevedo, então presidente da Sonae. No dia 2 de Maio de 1989 estavam ambos a apresentar a ideia em conferência de imprensa. “[Belmiro] mostrou-se logo convictamente interessado”, declarou ao jornal i, a propósito da sua morte, em 29 de Novembro de 2017. “Ele tinha lucidez, percebeu que iria dar prestígio à Sonae.”
    A primeira capa fazia referência à sucessão de Álvaro Cunhal no PCP e a um jogo disputado pelo FC Porto e pelo SC Sporting. Mas não é essa a sua capa de eleição. Em setembro de 2017, quando lhe lançaram esse desafio, escolheu, sem hesitar, uma que combina a frase "Obrigado, Gorbatchov" com um grande plano do antigo dirigente soviético. Era 25 de Dezembro de 1991. “O homem que descongelara a História anunciava nesse dia a sua demissão de Presidente de uma União Soviética em extinção. E sentimos o dever imperioso de assinalar um acontecimento sem precedentes na nossa vida de jornalistas. Escolhemos uma capa que dispensava elementos noticiosos.”
    Logo no início dessa década, Mário Soares (1924-2017), então Presidente da República, quis atribuir-lhe o grau de Comendador da Ordem do Infante D. Henrique. Recusou e até escreveu um editorial a defender que os jornalistas deviam dispensar tais honras. Isso não o impediu de, mais tarde, integrar o grupo que reclama à Presidência da República a Ordem da Liberdade para Tolentino de Nóbrega (1952-2015).
    (Ana Cristina Pereira, 8 set. 2020)