Carro de cesto da Choupana do Núcleo Museológico de Arte Popular, Grupo Folclórico e Etnográfico da Boa Nova, 15 de maio de 2019, Funchal, ilha da Madeira
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Descrição
Carro de cesto da Choupana.
Núcleo Museológico de Arte Popular do Grupo Folclórico e Etnográfico da Boa Nova, 15 de maio de 2019
Centro Cívico de Santa Maria Maior, Rua das Murteiras, 25 B, Funchal, ilha da Madeira.
Carro de cesto do Monte
A adaptação de uma corsa para transporte de passageiros, com um banco para duas pessoas numa leve estrutura de vime e dois carreiros para a sua condução nas inclinadas descidas do Monte para a baixa urbana do Funchal, deve ter ocorrido nos finais da década de 40 do século XIX. A necessidade de pessoal altamente habilitado para a condução em segurança de uma leve estrutura como esta, levou à constituição de uma associação, os Carreiros do Monte, que funcionaria como tal a partir de 1850.
Os carros de cesto do Monte gozaram de imediato de uma enorme popularidade, face ao ineditismo da situação da vertiginosa descida da freguesia do Monte em poucos minutos, quando a subida levava horas. A primeira descrição parece dever-se a Isabella de França (1795-1880), em 1853, no seu Jornal de uma Visita à Madeira (FRANÇA, 1970, 52-53 e 62-63), sendo depois sucessivamente descrita pelos inúmeros viajantes e escritores que passaram pela Madeira, entre os meados do século XIX e os dias de hoje. Em 15 de julho de 1954, por exemplo, passando pelo Funchal o escritor Ernest Hemingway (1899-1961), viria a referir ter sido “the basket-sledding down the mountain” uma das experiências mais fantásticas da sua vida (Diário de Notícias, Funchal, 16 jun. 1954).
A descrição de Isabella de França da sua ida ao Monte à então Quinta do Prazer do cônsul inglês George Stoddart (cônsul 1838-1858), a 23 de agosto de 1853, debruça-se essencialmente sobre a descida em carro de cesto do Monte. O carro ainda era mais esquisito que o carro de bois para a autora, assemelhando-se a “um canapé muito curto”, feito de vimes, bem forrado e almofadado, o qual estava fixo a um trenó e ligado a cordas. Dois homens davam-lhe um empurrão e ele descia, acelerando-se a cada instante, “como uma bala”, a uma velocidade inconcebível, enquanto o guiavam, fazendo o possível para evitar que se precipitasse. Isabella achava um verdadeiro mistério como os carreiros o manobravam, tão depressa e tão afastados dele, nunca perdendo o domínio do carro e conseguindo acelerar ou afrouxar à vontade. A descida agradou-lhe profundamente, mas não pôde deixar de acrescentar que: “quando a primeira vez me achei em locomotiva tão singular, não pude coibir-me de rir todo o tempo. Pode achar-se bem, como brincadeira de crianças, vê-las escorregar em sofá de vimes; mas ver gente adulta, um senhor e uma senhora, sentados lado a lado em tal veículo, que desce encostas a velocidades de comboio, com dois homens atrás (aparentemente arrastados por cordas e na realidade a conduzi-lo), isso então é sumamente ridículo”. Acontece que ainda se juntou um imprevisto, “para tornar a cena mais ridícula”: na descida, um rapaz que tocava rabeca aí na rua, teve a ideia de vir atrás do carro cesto tocando para os passageiros, levando a autora a acrescentar: “Até parecia um casamento de marinheiro!”. No entanto, achara a descida fácil e agradável, sendo das boas recordações que levava da Madeira (FRANÇA, ibidem, 63-64).
As imagens da descida em carro de cesto ainda povoam hoje a imprensa nacional, internacional e a blogosfera, como antigamente, devendo ter sido uma das representações mais conhecidas a caricatura publicada por Rafael Bordalo Pinheiro (1846-1905), sob o título: Visita às Ilhas. A descida do Monte, a propósito da visita régia de D. Carlos e D. Amélia às então ilhas adjacentes. O casal real não figura na ilustração, sendo substituído por um outro com a indicação de “Crise Vinícola” e “Credores Externos”, conduzindo o carro de cesto os ministros Hintze Ribeiro (1849-1907) e Mariano de Carvalho (1836-1905), tendo como legenda Aguenta! (A Paródia, 78, 10 jul. 1901).
O trajeto dos carros de cesto do Monte encontra-se hoje demarcado, conduzidos e controlados, como antigamente por dois carreiros, trajados de branco e com chapéu de palha na cabeça que, com perícia, utilizam as próprias botas, com grossas solas de borracha, como travões. A partida é feita especificamente da base da igreja do Monte e o trajeto utiliza o antigo caminho do comboio até à localidade ao Livramento, desenvolve-se num percurso de cerca de 2 Km e efetua-se em cerca de 10 minutos, proporcionando aos seus utilizadores momentos de pura emoção. Os cestos, que antigamente vinham a ombro, como os representou várias vezes Max Römer (1878-1960), regressam hoje de viatura ao Monte.
Rui Carita, Universidade da Madeira
Impressos: CARITA, Rui, História da Madeira, VII volume, O longo Século XIX: do Liberalismo à República. A Monarquia Constitucional, Funchal, SRE e Universidade da Madeira, 2008; FRANÇA, Isabella de, Jornal de uma visita à Madeira e a Portugal, 1853-1854, com notas de Cabral do Nascimento e João dos Santos Simões, Funchal, Junta Geral do Distrito, 1970; Funchal na obra de Max Römer, 1922 a 1960, inventariação e seleção de Rui Camacho, textos do mesmo e de Eberhard Axel Wilhelm, Maria Teresa Brazão e Rui Carita, Funchal 500 Anos, dez. 2008; SILVA, António Ribeiro Marques da, Apontamentos sobre o Quotidiano Madeirense (1750-1900), Lisboa, Caminho, 1994; SILVA, Fernando Augusto da, e MENESES, Carlos Azevedo de, Elucidário Madeirense, 3 vols., Funchal, 1940-46, fac-simile de 1998;