Clube Naval do Funchal. Planta Geral, João Guilherme Faria da Costa, 1945, Funchal, ilha da Madeira
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Clube Naval do Funchal. Planta Geral
João Guilherme Faria da Costa (1906-1971), 1945
Pub. por Cristina Sofia Andrade Perdigão, O Turismo na Madeira: Dinâmicas e Ordenamento do Turismo em Territórios Insulares, tese elaborada para a obtenção do grau de Doutor em Urbanismo, Faculdade de Arquitetura da Universidade de Lisboa, novembro de 2017, fig. 173, p. 280.
Funchal, ilha da Madeira
O estudo de remodelação da zona marginal do arquiteto Faria da Costa de 1945
Ao longo de 1939 deram-se por concluídos os principais trabalhos de projeto para a abertura da Avenida do Mar, já entendida a começar nas instalações portuárias da Pontinha e a terminar nos estaleiros da firma Blandy, junto à fortaleza de São Tiago, da responsabilidade geral da Junta Autónoma dos Portos do Arquipélago da Madeira, então liderada pelo Dr. João Abel de Freitas (1893-1948). Davam-se assim continuidade aos trabalhos pioneiros de montagem de uma frente mar do Eng.º Adriano Augusto Trigo (1862-1926), diretor das Obras Públicas do Funchal até 1919, ideia retomada no “Plano de Melhoramentos” de Ventura Terra (1866-1919), de 1915 e nos de Carlos Chambers Ramos (1897-1969), de 1931-1933.
Foi nesses trabalhos da responsabilidade da Junta Autónoma dos Portos que, em julho de 1939, se iniciou a demolição do icónico Pilar de Banger (1798-1939), que servia então de anúncio da firma Blandy das entradas e saídas dos navios no porto do Funchal, assunto que despertou ampla polémica. O caricaturista Paulo Sá Braz (1919-2003) publicaria mesmo uma ilustração no célebre periódico Re-Nhau-Nhau com a figura da Junta Autónoma com a cara de João Abel de Freitas, de picareta na mão a demolir o Pilar, sendo o mesmo defendido pelo padre Fernando Augusto da Silva (1863-1949), pelo etnólogo Carlos Maria Santos (1893-1955) e pela condessa de Torre Bela, D. Isabel Constança Gordon Bolger (1863-c. 1947). Nos anos seguintes o pintor Max Römer (1878-1960) repetiria até à exaustão a imagem do Pilar, quando o mesmo já não existia, sinal do poder imagético que o mesmo ainda possuía. Com a saída de Fernão de Ornelas (1908-1978) da presidência da comissão administrativa da Câmara do Funchal, em outubro de 1946, a responsabilidade da demolição do Pilar foi sendo quase sempre atribuída à sua gestão e não à da Junta Autónoma dos Portos de João Abel de Freitas.
À responsabilidade da Câmara do Funchal ficou a ampliação do troço nascente da Avenida do Mar até ao Forte de São Tiago, objeto do anteprojeto de 1942, do arquiteto paisagista Caldeira Cabral (1908-1992), que integrava uma gare rodoviária e um jardim público no Campo Almirante Reis. A proposta de Caldeira Cabral dava uma certa primazia à utilização pedonal, já que a faixa destinada ao peão tinha um perfil de certa forma considerável, com um passeio arborizado a funcionar como faixa de lazer ou promenade sobre o calhau da praia e, ainda que não tenha sido então concretizado, a atual Avenida do Mar é muito próxima dessa proposta. Este trabalho, entretanto, já deve ter sido articulado com o arquiteto urbanista João Guilherme Faria da Costa (1906-1971), então a trabalhar também para a Câmara do Funchal e cujos trabalhos sofriam quase sempre de algum atraso em relação ao contratualizado.
João Guilherme Faria da Costa, nascido em Sintra, a 16 de abril de 1906 e falecido depois em Lisboa, a 16 de janeiro de 1971, tinha-se diplomado em arquitetura pela Escola das Belas Artes de Lisboa, em 1935 e, seguindo para Paris, diplomara-se em Urbanismo, na Universidade de Paris, com uma tese final sobre o arranjo, embelezamento e extensão da cidade da Figueira da Foz, defendida em 19 de junho de 1937. Foi, assim, o primeiro arquiteto urbanista português com formação internacional.
Tendo-se deslocado ao Funchal, em 1945 elabora um largo estudo para a remodelação da marginal do Funchal, procurando encontrar soluções para o problema da penetração no interior da cidade, propondo a constituição de 3 eixos estruturantes: um primeiro, marginal e de maior destaque, composto pela Avenida do Mar, Avenida da Pontinha e a ligação à Estrada Monumental pela Rua Carvalho Araújo, que hoje conhecemos; um segundo composto pela Avenida do Infante, Avenida Arriaga e arruamentos subsequentes até à Estrada Conde Carvalhal; o terceiro composto pela Rua da Carreira e pela circulação na Praça do Município, de que em fevereiro desse ano de 1945, assina já um Estudo do Arranjo da Praça do Município e sua Zona Imediata.
O seu principal interesse vai para a futura Avenida Marginal, com passeios laterais e centrais, uma faixa ajardinada a todo o comprimento e estendendo-se desde a Pontinha, onde propõe colocar a alfândega, a capitania do porto e os estaleiros, atá à fortaleza de São Tiago, deixando em aberto a área dos arsenais da firma Blandy, que refere como “Desembarcadouro”. De Ventura Terra resgata ainda a Praça da Entrada da Cidade na sequência do cais, tal como a cobertura dos troços finais das ribeiras de Santa Luzia e de João Gomes. Propõe ainda construção de um complexo habitacional na metade nascente do Campo Almirante Reis, tal como de edifícios públicos nos quarteirões após a Avenida da Ribeira de Santa Luzia, que executará nas décadas seguintes: a nova Alfândega (1952-1958-1960), a Capitania do Funchal (1947-1950) e o Quartel da Guarda Republicana, hoje Guarda Fiscal (1959-60), obras marcadamente revivalistas do Estado Novo, especialmente o edifício da Capitania, rematado por uma quase torre medieval de cantaria aparente assente em arcos góticos.
O trabalho de Faria da Costa no Funchal não ficou somente pela proposta para remodelação da zona marginal, tendo avançado logo para a construção da Praça ou Rotunda do Infante, cujo conjunto escultórico de bronze encomendado a António Duarte (1912-1998) tem a data de 1946, embora só tenha chegado ao Funchal em agosto de 1948, quando em março anterior já havia sido inaugurada a grande taça de água, sendo o fontanário monumental depois inaugurado em novembro desse ano. Nesse ano de 1945 ainda propôs a construção da sede, piscina e solário do futuro Clube Naval do Funchal, na Avenida do Mar e na margem poente da Ribeira de São Francisco, sobre a qual, mais acima, levantou o fontanário monumental. O clube, entretanto, só viria a ser fundado estatutariamente a 1 maio 1952 e, em 1954, optaria por instalar a sua sede na Quinta Calaça, na área do Lido.
A colaboração deste arquiteto urbanista com a Câmara Municipal do Funchal manter-se-ia assim nesses anos, datando da chegada do grupo escultório, comunicado na vereação de 17 ago. 1948, a deliberação de abrir uma rua de ligação entre a Praça do Infante e a Avenida do Mar e a ligação entre essa praça e a Ponte Monumental, projetos elaborados pelo arquiteto Faria da Costa, a quem foi pedido ainda para elaborar um esboço dos prédios a edificar na zona destinada a construção entre a Praça do Infante e a Avenida do Mar, e igualmente uma ligação entre o Largo do Torreão e o Largo das Cruzes. Esta deliberação vinha na sequência da de 24 maio 1947, onde se delibara pedir aos arquitetos continentais Faria da Costa, João Ferreira e Miguel Jacobetty Rosa (1901-1970), que traçara o projeto do Matadouro Municipal (1941) e o plano do Parque de Santa Catarina (1945), para conceberem o plano de urbanização do Funchal.
Em 1958, Faria da Costa ainda elaborou um projeto de um palco-coreto para o Jardim Municipal e, inclusivamente, a câmara editou uma pequena brochura, em 1959, com os seus projetos acima citados, sob o título Plano de Urbanização do Funchal, onde o seu nome aparece associado ao do engenheiro Jorge Carvalho de Mesquita (1915-1995), com os projetos de um bairro económico para a encosta de Santo António e a total reconstrução da baixa de Santa Maria Maior, hoje Zona Velha, mas que, felizmente, só ficou no papel.
Rui Carita
Universidade da Madeira
Bibliografia: BRAZ, Paulo Sá (1939), “Pilar de Banger que Deus haja”, in Re-Nhau-Nhau, nº 318, Funchal, 20 jul. 1939, p. 10; COSTA, J. G. Faria da, e MESQUITA, J. Carvalho de (1959), Plano de Urbanização do Funchal, I, Programa, Sistema Actual, Previsões, Plano Regulador, Funchal; GAMA, José Gil (2011), Arquitetura e Turismo na cidade do Funchal no século XX. Dissertação de Mestrado em Arquitetura, Coimbra: Faculdade Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra; GOMES, João dos Reis (1937), Casas Madeirenses, colaboração de Edmundo Tavares, Funchal, Diário da Madeira; JANES, Emanuel (2021), “O Município do Funchal na Ditadura Militar e no Estado Novo (1926-1974)”, in Arquivo Histórico da Madeira, Nova Série, n.º 3, Funchal, pp. 562-625; LOPES, Agostinho do Amaral (2008), A Obra de Fernão Ornelas na Presidência da Câmara Municipal do Funchal, 1935-1946, tese de mestrado, Coleção Funchal 500 Anos, n.º 8; MARQUES, Bruna Cristiana da Silva (2015), João Guilherme Faria da Costa : o caso único da Figueira da Foz, dissertação de mestrado integrado em Arquitetura, Departamento de Arquitetura da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra; PERDIGÃO, Cristina Sofia Andrade (2009), Formação do centro urbano do Funchal: contributo das transformações urbanísticas, dissertação conducente à obtenção do grau de Mestre em Arquitetura, Universidade da Beira Interior, Covilhã; Ibidem (2017), O Turismo na Madeira – Dinâmicas e Ordenamento do Turismo em Territórios Insulares, tese de doutoramento, Lisboa, Faculdade de Arquitetura da Universidade de Lisboa; VASCONCELOS, Teresa (2008), O Plano Ventura Terra e a Modernização do Funchal (Primeira Metade do século XX), tese de mestrado, Coleção Funchal 500 Anos, n.º 5.